No rastro do caso das Americanas, vimos a ocorrência de alguns “fundos de emergência” que sofreram e foram impactados com o evento. Fundos de emergência nunca deveriam estar expostos a ativos de crédito.
Vamos conceituar um fundo de emergência. A ideia é simples. Todos devemos ter uma reserva de emergência que esteja separada para eventualidades. Tudo parte da premissa de que não controlamos a vida (quem discorda ainda precisa viver um pouco mais, nada como o tempo como professor).
Aleatoriedades, tanto positivas quanto negativas, são a ordem do dia. Do lado negativo, muitos exemplos podem ser dados: (i) uma doença cujos custos de tratamento não sejam 100% cobertos por um seguro saúde, (ii) um acidente de trânsito que amasse o veículo irá exigir a cobertura financeira da franquia ou o desembolso do reparo caso não haja seguro, (iii) o advento de desemprego irá causar a falta dos futuros salários com os quais se contava. Enfim, exemplos não faltam. Assim, do ponto de vista financeiro, é necessário ter reserva de emergência.
O tamanho dessa reserva deverá ser quantificado baseado em quantos meses de custo básico de vida ela precisará cobrir. Uma boa métrica é admitir de 3 a 6 meses desse custeio básico, isso funciona para a maioria das pessoas. Agora, você é um funcionário público, indemissível? Talvez 1 ou 2 meses baste… Você é um corretor de imóveis cujas comissões dependem de eventos que são fortemente erráticos, como quando virá sua próxima venda? Talvez seja mais seguro montar uma reserva com 12 meses de tamanho. Espero que esteja claro a dinâmica de como se calcula o tamanho de tal reserva.
E onde invisto tais recursos? Aqui entra a discussão principal desse artigo. Dada a natureza e o propósito desse dinheiro, ele precisará estar investido em instrumentos que sejam:
1) Líquidos – Você tem que poder sacar a qualquer momento, pois imprevistos não mandam aviso prévio antes de acontecerem. Na terminologia de fundos de investimentos, não utilizaria nada que não tenha uma liquidez com D+0 ou D+1 (onde D = dia do pedido do resgate; D+X = número total de dias do dia do resgate para receber os recursos) para essa reserva;
2) Seguros – Aqui entra a questão da variação do valor do investimento. Não adianta se esforçar para poupar tais recursos se você os colocar em, por absurdo, digamos, criptomoedas (i.e. Bitcoin). Obviamente, eu estou fazendo aqui um exemplo extremo, mas mesmo ativos muito mais seguros que uma criptomoeda, no que tange ao risco de crédito e risco de mercado, mas que tenham algum risco, também são inadequados. O exemplo mais clássico e infelizmente muito usado para poupar a reserva de emergência são os fundos de crédito com liquidez imediata (D+0, D+1). Não é a melhor política manter seus recursos para emergência em tais fundos.
Colocado os dois requisitos acima, uma reserva de emergência deveria ser mantida em renda fixa pós-fixada, idealmente soberana. O bom e velho Tesouro Selic. Se não quiser ir diretamente para o Tesouro, então eu olharia fundos que têm o Tesouro Selic como ativos dentro dele, e que tenham resgate em D+1 no máximo.
Uma outra sugestão seriam CDBs com liquidez diária de bancos grandes de primeira linha (i.e. Itaú, Bradesco, Banco do Brasil), que paguem no mínimo 97% do CDI. Esses 97% do CDI foram gerados considerando-se qual seria o retorno equivalente de um CDB, considerando que, no Tesouro Direto, se recebe 100% do CDI, mas se tem o custo de custódia de 0,2% a.a. no programa Tesouro Direto (de janeiro de 2023) e admitindo uma Selic @ 8,0% (nível mais representativo do longo prazo).
“E a poupança, Rodrigo?” Não!
“Mas por quê? Ela é segura, pode-se resgatar a qualquer momento, e ainda não existe a cobrança de imposto de renda (IR) sobre o ganho.” É verdade. Mas o problema da poupança é que a rentabilidade não é justa e paga, EM QUALQUER CENÁRIO, menos que o Tesouro Selic após descontado o IR. Então, se deixar seus recursos na poupança, você perderá rentabilidade comparado a outras opções melhores e que mantém o menor risco possível (novamente, Tesouro Selic).
E se eu quiser remunerar mais minhas reservas de emergência? Por que não ir para um fundo de crédito? Primeiro, precisa-se ter certeza do tamanho da reserva de emergência. Isso não é uma ciência, mas uma avaliação que tem subjetividade.
Por exemplo, se você tem 6 meses de reserva de emergência, mas eventualmente 3 meses seriam o suficiente e você mantém 6 meses para ser extra-conservador (“sabe-se se lá o que o futuro tem reservado pra mim, né?”), minha sugestão para você seria: mantenha três meses no Tesouro Direto e os outros três meses em um fundo de crédito, que eventualmente não precise nem ter liquidez em D+1, mas poderá eventualmente ter D+30 (um prazo um pouco maior que dê espaço para o gestor desse fundo fazer seu dinheiro, via risco de crédito, rodar mais rentavelmente). Assim, você tem certeza de que três meses estão ultra seguros e três meses seguros. A reserva de emergência é para ser guardada em recursos ultra seguros.
Posto tudo isso, foram noticiados em vários lugares que um fundo “reserva de emergência” do NuBank continha debêntures da Americanas. Não vou tecer maiores comentários sobre o ponto, mas claramente, o fundo não era um fundo de emergência, apenas um fundo de renda fixa com crédito privado. Vale ficar atento a esse detalhe para não comprar “gato por lebre”.
Esse tipo de questão pode ser gerado tanto por uma instituição que eventualmente apresente um produto financeiro não com suas reais características, como também por assessores de investimentos que não fizeram corretamente seu trabalho. No caso do NuBank, eu não sei dizer qual foi o caso, apenas uso esse exemplo como material didático para propagar educação financeira de qualidade.
Espero ter ajudado a como pensar sua reserva de emergência e em que tipo de investimento você a guarda.
Bons investimentos!