Estudos estão encontrando conexões entre esses alimentos e mudanças na forma como aprendemos, lembramos e nos sentimos
Alimentos ultra processados podem não afetar apenas nossos corpos, mas também nossos cérebros. Novas pesquisas sugerem conexões entre esses alimentos — como salgadinhos, cereais industrializados e a maioria dos snacks de supermercado — e mudanças na forma como aprendemos, lembramos e nos sentimos.
Esses alimentos podem agir como substâncias viciantes, dizem os pesquisadores, e alguns cientistas estão propondo uma nova condição de saúde mental chamada “transtorno do uso de alimentos ultra processados”. Dietas ricas nesses alimentos podem aumentar o risco de problemas de saúde mental e sono.
A ciência ainda está em estágio inicial e os pesquisadores afirmam que há muito que eles não sabem. Nem todos os alimentos ultraprocessados são iguais, apontam alguns cientistas, acrescentando que alguns podem ser bons para você.
Uma dieta rica em alimentos ultra processados tem sido associada à obesidade, diabetes tipo 2, câncer e doenças cardiovasculares, mas os pesquisadores ainda estão descobrindo exatamente por que, além das contagens de calorias e da composição de nutrientes.
Os fabricantes de alimentos, como carnes processadas e bolos, defendem seus produtos e observam que não há uma definição consistente e universalmente aceita de alimento ultra processado. “Os fabricantes das marcas domésticas confiáveis dos Estados Unidos estão comprometidos em proteger o acesso a alimentos nutritivos, acessíveis, convenientes e seguros”, falou um porta-voz da Consumer Brands Association, um grupo comercial da indústria.
Desejo por alimentos ultraprocessados
Muitos alimentos ultraprocessados atingem rapidamente o cérebro quando os consumimos e têm um forte efeito em seu sistema de recompensa, que está envolvido no prazer, motivação e aprendizado.
Esses efeitos são semelhantes aos observados quando as pessoas usam nicotina, álcool e outras drogas viciantes, disse Ashley Gearhardt, professora de psicologia da Universidade de Michigan e co-criadora de uma medida de vício em alimentos.
“As pessoas desejam intensamente alimentos ultraprocessados e os consomem de forma compulsiva, percebendo que não conseguem parar de comê-los”, ressaltou ela. A forma como os alimentos são produzidos pode explicar em parte o porquê. Para fazer itens como batatas chips, cereais matinais e barrinhas, os fabricantes frequentemente quebram a estrutura celular dos ingredientes, retirando a água e as fibras, tornando-os fáceis de mastigar, comer e digerir rapidamente. Os componentes atingem rapidamente nossos cérebros, o que torna os alimentos mais viciantes, explica Gearhardt.A combinação de altos níveis tanto de gordura quanto de carboidratos em muitos alimentos ultra processados é provavelmente outra razão pela qual desejamos por eles e temos dificuldade para parar quando os comemos.
Chocolate, sorvete, batatas fritas, pizza e salgadinhos estão entre os principais alimentos que as pessoas relatam comer de forma viciante, de acordo com os estudos de Gearhardt. Muitos desses alimentos são ricos em carboidratos refinados e gordura, uma combinação que não é comumente encontrada na natureza.
Os alimentos na natureza frequentemente são ricos em gordura ou carboidratos, mas não em ambos. “As bananas são naturalmente ricas em açúcar, mas você come uma e está satisfeito”, diz ela.
O estudo dos lanches
Em um estudo recente publicado na revista Cell Metabolism, os pesquisadores prepararam os participantes com dois tipos diferentes de lanches e observaram como seus cérebros responderam posteriormente a um sinal para um alimento rico em gordura e açúcar, como muitos alimentos ultra processados são.
Escaneamentos de seus cérebros mostraram que os participantes que consumiram um lanche rico em gordura e açúcar por oito semanas tiveram uma atividade muito maior em partes do cérebro que criam dopamina, um neurotransmissor envolvido na motivação, aprendizado e na expectativa e experiência de recompensas, quando viram um sinal indicando que deveriam esperar por outro alimento rico em açúcar e gordura.
Pessoas que frequentemente consomem alimentos ricos em gordura e açúcar e depois veem sinais deles no mundo real provavelmente têm uma resposta semelhante, acreditam os pesquisadores.
“Quando veem o sinal de seu restaurante fast food favorito ou a embalagem do lanche favorito, eles têm mais atividade cerebral e potencialmente estão sentindo mais atividade de desejo que poderia torná-los mais propensos a consumir esse alimento”, disse Alexandra DiFeliceantonio, diretora associada do Centro de Pesquisa sobre Comportamentos de Saúde na Virginia Tech, que foi coautora do estudo.
Os cientistas ficaram surpresos ao descobrir que as pessoas que haviam consumido o lanche rico em gordura e açúcar também tiveram mudanças na forma como seus cérebros aprendiam.
Enquanto os participantes tinham seus cérebros escaneados, os pesquisadores os fizeram realizar uma tarefa básica de aprendizado, exigindo que pressionassem um botão associado a uma imagem quando ouviam certos tons.
Quando as pessoas que haviam consumido o lanche rico em gordura e açúcar não recebiam a imagem esperada, seus cérebros mostravam maior atividade em partes envolvidas na avaliação de situações. Essa dieta rica em açúcar e gordura “está alterando algo muito básico sobre como aprendemos”, disse DiFeliceantonio.
Em um estudo diferente, quatro dias consumindo um café da manhã rico em gordura saturada e açúcar adicionado foram associados a reduções no desempenho em alguns testes de aprendizado e memória, de acordo com pesquisadores na Austrália. Pessoas que tomaram um café da manhã mais saudável não tiveram mudanças de desempenho.
Alimentos ultraprocessados e saúde mental
A saúde mental também é afetada pela dieta. Vários estudos recentes encontraram uma ligação entre dietas ricas em alimentos ultra processados e um aumento do risco de depressão. Uma ampla revisão de pesquisas publicada no mês passado no periódico BMJ encontrou um aumento do risco de depressão, ansiedade e problemas de sono com dietas ricas em alimentos ultra processados.
Gearhardt e colegas estão propondo um novo transtorno de saúde mental que eles planejam chamar de “transtorno do uso de alimentos ultraprocessados” ou “transtorno do uso de alimentos altamente processados” para inclusão no guia oficial que psiquiatras e psicólogos usam para diagnosticar pacientes.
Os sintomas incluem desejos intensos, dificuldade para reduzir o consumo e sintomas de abstinência como irritabilidade e agitação quando as pessoas tentam reduzir sua ingestão.
Uma das principais formas como a dieta afeta a saúde mental provavelmente é através do micro bioma intestinal, explicou Felice Jacka, diretora do Food & Mood Centre da Universidade Deakin, na Austrália. O micro bioma intestinal refere-se aos micróbios que vivem no trato digestivo. Ele influencia a função imunológica, o sistema de resposta ao estresse e a produção de neurotransmissores como a serotonina, todos os quais afetam a saúde mental, acrescentou Jacka.Comer uma dieta típica cheia de alimentos ultra processados pode alterar seu micro bioma para que ele seja menos diverso e tenha menos tipos de bactérias benéficas, apontou Arpana Gupta, co-diretora do Goodman-Luskin Microbiome Center da Universidade da Califórnia, Los Angeles.
Mudanças no sistema de recompensa do cérebro causadas por alimentos ricos em gordura e açúcar também provavelmente contribuem para problemas de saúde mental, disse DiFeliceantonio. “O fato de que sua dieta está alterando esse sistema de recompensa de forma bastante profunda significa que tudo em sua vida está sendo afetado”, concluiu ela.