A autossabotagem do movimento ESG

Cuidados com o meio ambiente, sociedade e com a governança interna deveriam ser preocupações intrínsecas de toda companhia que almeja o respeito do mercado. De tal premissa, ganhou força no pós-pandemia o movimento ESG – sigla em inglês para “ambiental, social e governança”. O problema? A maior parte da discussão é apenas marketing.

Para André Vasconcellos, vice-presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), “o maior inimigo da pauta ESG é a própria pauta ESG”. Em entrevista exclusiva ao TradeNews, ele discorreu sobre como as companhias brasileiras não têm credibilidade ante o investidor estrangeiro devido ao modo superficial como abordam o tema. 

De acordo com o executivo, o estouro do interesse pelo ESG ganhou contorno enlatado e inorgânico no Brasil. As empresas adotaram a crença de que relatar os mesmos indicadores e discurso para todos os públicos seria atender aos critérios de boas práticas. 

“Não basta ver um relatório – especialmente de sustentabilidade – impresso em papel reciclado, com página de garrafa PET, com uma imagem de uma população ribeirinha a qual se está ajudando ou o Projeto do Peixe-Boi, se na verdade a gente vê que aquela externalidade não está tendo um grande efeito positivo para o negócio”, diz André. 

André Vasconcellos, vice-presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI)

O verniz do greenwashing – nome chique para falsa consciência ambiental – também cega os gestores para o principal problema que as companhias brasileiras preocupadas com ESG deveriam olhar. É a governança, o “G” da sigla, que mais faz o investidor estrangeiro repensar em injetar dinheiro na B3. 

“Eu leio um relatório, um parecer de uma auditoria externa dita independente, que não alega nada”, exemplifica André, em referência ao escândalo da Americanas. “Em poucos dias, um CEO apresenta um rombo de bilhões de reais dentro de um balanço, dizendo que era uma conta nova, que apareceu ali e que, de alguma forma, ninguém sabia que existia.”

Cada empresa carrega um modelo de negócios, portanto precisa entender a própria realidade e cultura para, com base nessas especificidades, se comunicar transparente e eficientemente com o mercado. 

Com o mantra “‘desmarketize’ seus relatórios”, André é contundente nas críticas aos departamentos de RI. Em grande parte dos comunicados e fatos relevantes, “você vê textos padronizados, zelando muito pela conformidade legal, mas com pouca informação”.  A prática gera assimetria informacional, abrindo margem para insider trading – crime muito famoso no Brasil. 

Há ressalvas nessa bagunça. O vice-presidente do conselho do IBRI destaca que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem feito um trabalho intenso para o aprimoramento dos padrões de governança.

Mas a jornada ainda é longa. Ele questiona se a carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) reflete hoje empresas que são genuinamente ESG. Em contrapartida, são igualmente necessárias punições maiores que a expulsão do índice, criado em 2005, para tornar a pauta mais robusta. 

A administração pública também é percalço, prossegue o especialista. Apesar de a Lei das Estatais ter sido um marco divisor nesse aspecto, há pouco tempo o governo voltou a fazer indicações políticas. E, por mais que o STF tenha restabelecido a restrição a tais indicações, em maio deste ano, as indicações políticas feitas no intervalo permaneceram. 

Ademais do embolado contexto nacional, há a contraparte do investidor estrangeiro. “Lá fora, as empresas têm uma preocupação muito genuína com marca e reputação.” Dada a gama ampla de companhias de longa tradição ou valor de mercado na casa dos trilhões, o olhar ESG é mais acurado e natural. O direito americano e europeu é mais rigoroso, acrescentou André, e a robustez de controles internos, compliance, conformidade legal e governança corporativa é sem precedentes.

“Se coloca no papel de um investidor estrangeiro que vê uma das maiores empresas do país, por acidente, matar 300 pessoas, algumas ainda sequer descobertas, depois de uma avalanche de lama. E não tem uma pessoa sequer presa no Brasil por isso. O gringo vai olhar e falar ‘Que tipo ESG é esse’?”

No fim, o melhor indicador da qualidade da condução de governança das empresas brasileiras é a performance da bolsa, lateralizada há três anos e com saída contínua do investidor estrangeiro. André não vê desinteresse do gringo pelo ESG. Antes, aponta que o  gestor daqui subestima a inteligência da contraparte.

Mesmo o Brasil tendo juros elevados, normalmente um bom atrativo para os investidores estrangeiros, o ambiente macro, “a falta de segurança jurídica institucional e previsibilidade no ambiente de negócios” desincentiva a vinda de recursos para cá. 

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