A essa altura do campeonato, por que alguém ainda investe em multimercados?

São tempos difíceis para os multimercados. A captação líquida dos fundos em 2024 é a menor desde 2016, e apenas dois portfólios superam o CDI no ano até agora, evidenciando uma espécie de crise existencial da indústria de fundos do gênero, em meio a um cenário global de preços estruturalmente mais altos. 

Como grande parte do problema é fruto da pressão de juros e inflação altos, os multimercados também penam lá fora, onde são chamados hedge funds e são tradicionalmente correlacionados com índices inflacionários. No Brasil, eles se propõem a entregar retorno absoluto acima do CDI.

Em 2024, entretanto, apenas dois portfólios sustentam a missão. Considerados apenas fundos de gestão ativa, com patrimônio e número de clientes relevantes, destacam-se o Adam Macro Strategy, que supera o benchmark em 216%, e o Kadima High Vol, com rendimento de 121% do CDI até 30 de abril. 

Saldo entre aplicações e resgates dos multimercados, acumulado no ano entre os fundos presentes na amostra. Resgate líquido foi de R$ 13 bilhões em 2020. [Fonte: XP Investimentos]
André Salgado, sócio-fundador Adam Capital, explica que a casa vem adotando desde novembro do ano passado uma estratégia diferente em relação aos juros americanos e brasileiros. “Nossa visão é que o mercado vinha subestimando o nível de atividade econômica e, por consequência, a resiliência da inflação.”

Os fundos da gestora aderiram a uma posição tomada (apostando na alta) em juros americanos e equilibrada em juros brasileiros – tomados no pré e aplicados em juros reais –, combinada com posições compradas em ouro e outras moedas. O gestor atribui a essa estratégia a valorização registrada até o momento. 

Já a Kadima vai por um caminho diferente. A asset utiliza uma abordagem quantitativa e sistemática, fiando-se a modelos matemáticos e estatísticos para a tomada de decisões, em detrimento de decisões baseadas na interpretação dos gestores, explica o sócio e gestor Rodrigo Maranhão.  

Ele explica que alguns modelos focados na operação de commodities na forma long-short foram os principais destaques do início do ano. Também apresentaram bons resultados os modelos de fatores operando ações brasileiras e americanas. Do lado negativo, os modelos seguidores de tendência operando juros brasileiros “foram os maiores detratores neste início de ano”.

Por outro lado, os fundos azarões são maioria – infelizmente, não pelo primeiro ano. Há tanto os que rendem abaixo do CDI quanto os em prejuízo puro e simples. A sangria, como já mencionado, se estende do retorno absoluto para o aporte dos investidores. A captação líquida – saldo entre aplicações e resgates – soma pouco mais de R$ 28 milhões neste ano, o pior número desde 2016, quando totalizou R$ 17 milhões. 

Fundos multimercados no prejuízo superavam -350% do CDI até o final de abril. [Fonte: Nomos Investimentos]
A cifra contrasta bruscamente com a de 2020, quando a captação foi de quase 104 milhões. Fazem sentido tanto a alocação quanto a boa rentabilidade dos multimercados em pleno ano de pandemia, dado que os fundos do tipo visam a proteção do investidor. Ao longo da crise pandêmica, eles foram boas alocações, relata Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos.

Em parte, o bom desempenho aconteceu porque as taxas de juros, em trajetória decrescente desde antes do coronavírus, aceleraram a flexibilização ao redor do mundo. O problema começou no ano seguinte, quando chegou a conta do afrouxamento monetário. Os gestores sofreram com o aperto monetário global, principalmente nos EUA, uma vez que mesmo os fundos brasileiros operam cada vez mais no exterior.  

Dito isso, fica fácil entender o maior afundamento dos multimercados este ano, uma vez que 2024 registra uma virada nas perspectivas para os bancos centrais do Brasil e dos EUA. A projeção para a Selic terminal registrada no Boletim Focus está cada dia mais próxima dos 10% (contra os menos de dois dígitos anteriores), enquanto a precificação para o Federal Reserve passou do início de cortes no primeiro semestre para um possível corte em setembro. 

Contraintuitivamente, Beto rejeita a possível conclusão de que fundos do gênero são uma opção ruim. A resposta ao atual cenário negativo é a clássica filosofia de comprar na baixa para lucrar na alta. O especialista defende que, se a projeção é de não aumento de juros daqui para frente, o panorama é justamente de geração de retorno – mesmo que os cortes não aconteçam na rapidez ou intensidade esperados. 

Além da correlação inversa entre juros e fundos, o diretor de investimentos da Nomos lembra que os multimercados conseguem negociar produtos “que a pessoa física nem sonha”. Só entre os derivativos, há a disponibilidade dos mercados internacionais e contratos de juros. Além disso, as assets dispõem de maior acesso à alavancagem, mais cara e restrita para pessoa física. 

Resta o desafio de escolher um bom fundo. Beto recomenda observar o histórico de retorno dos portfólios, principalmente durante crises – como a recente. Ainda assim, diz ele, o capital mais valioso é o humano. “A longo prazo, o segredo é estudar as pessoas que estão por trás do fundo, principalmente equipes que trabalham juntas há muito tempo.”

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