Foram 27% de baixa apenas nesta terça-feira (30). Nos únicos dois pregões desta semana, a Gol [GOLL4] despencou 51,5%, a R$ 2,87 – carimbando uma desvalorização total de 68% em janeiro. A debandada dos investidores faz jus ao primeiro pedido de recuperação judicial de 2024.
O tombo de hoje também marca o último dia de GOLL4 nos índices da B3. Além do Ibovespa, as ações estarão fora dos outros nove índices em que estavam inseridas a partir de quarta-feira (31).
A medida intensificou o fluxo vendedor dos papéis. Quando há saída do Ibovespa e de outros índices, tem-se por consequência um forte volume de fluxo negativo, fluxo de vendas de fundos passivos que seguem a carteira teórica desses índices, explicou Leonardo Piovesan, CNPI e analista da Quantzed.
A exclusão de GOLL4 dos índices da B3 reage à aprovação do Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York dos Estados Unidos para a reestruturação financeira legal da companhia, iniciada em 25 de janeiro de 2024.

É RJ, mas não exatamente
O processo da Gol não se trata exatamente de uma RJ. A companhia aderiu ao Chapter 11, processo judicial dos EUA para a reestruturação de empresas com operações em múltiplas jurisdições. Apesar das semelhanças entre os processos, as principais diferenças entre judicializar-se no Brasil ou na terra do Tio Sam são a seriedade conferida ao processo e a disponibilidade de capital.
“No Brasil, desconfia-se sempre que o empresário [da empresa em RJ] quer dar o golpe nos credores com a chamada porcentagem de desconto para credores, conhecida como haircut”, explica o jurista e analista CNPI João Lucas Tonello.
A maioria das companhias têm sucesso nas recuperações judiciais nos EUA, enquanto aqui menos de 20% saem invictas. O histórico garante maior confiabilidade a procedimentos feitos por lá, acrescenta o especialista.
Também há maior proteção das companhias em reestruturação de capital por lá. “A companhia fica mais livre para continuar atuando sem ter o risco de ter que fazer pagamentos para credores ou por demandas judiciais”, comentou Piovesan. Com a maior disponibilidade de capital, a Gol tem mais segurança para continuar operando e para resolver os problemas financeiros dela do que na RJ brasileira.
Por quê?
A Gol pediu recuperação judicial por endividamento. A empresa não conseguiu saldar suas dívidas de curto prazo no Brasil, as quais ultrapassam R$ 1 bilhão, ao mesmo tempo em que os arrendadores de aeronaves estão irredutíveis, recusando-se a negociar.
Ademais, os juros altos elevam o custo da dívida, restando a solução da recuperação judicial. Assim, os credores ficam impedidos de acionar a companhia e todos os pagamentos ficam congelados.
“O processo do Chapter 11 tem sido utilizado com sucesso por muitas companhias aéreas internacionais, incluindo LATAM, United Airlines, Delta, Aeroméxico e Avianca Colômbia”, disse a Gol em comunicado na semana passada.

O beco tem saída?
A Gol promete continuar operando normalmente, tanto no pagamento de salários e benefícios aos colaboradores quanto no atendimento aos clientes e honra de compromissos com parceiros comerciais e fornecedores. Entretanto, qualquer solução definitiva para o caixa da companhia fica na corda bamba por enquanto.
Fato é que a empresa precisa das aeronaves arrendadas para continuar operando, gerando resultado, e algum dia poder pagar suas dívidas, as quais provavelmente serão renegociadas com alongamento de prazo e mudança de taxas, antevê Leonardo Piovesan.
O histórico de geração de resultados da Gol é “bem complicado”, na definição do analista da Quantzed. Isso dificulta quaisquer projeções para a companhia, sejam de resultado, geração de caixa ou qualquer outro fator.
Todavia, apesar de bastante endividada e sem diferencial para acelerar lucros, a Gol reportou números positivos no terceiro trimestre de 2023. Um desempenho semelhante no balanço do quarto trimestre, a ser divulgado em 4 de março, poderia animar o mercado, conjectura João Tonello.
“Caso a empresa perca a confiança dos consumidores, seu crescimento apresentado no 3T23 vai sumir e, com isso, a empresa pode não se recuperar”, resumiu.
Ainda vale a pena ter GOLL4?
Na dúvida sobre o futuro da empresa, Tonello não recomenda a compra de GOLL4, mesmo ante a brusca queda recente. Apresentador do Bolsa ao Vivo, sala de trading da Nomos TV, Tonello brinca que quem está comprado no ativo não está acompanhando as recomendações de trading dele. “Recomenda-se acompanhar”, aconselhou.
Falando sério, ele adverte quem tem GOLL4 na carteira a colocar stop loss na mínima diária e torcer para o papel voltar o quanto antes. “No caso de começar a ver voos cancelados e baderna no aeroporto por causa de problemas com a operação da empresa, zerar imediatamente.”
Piovesan diverge em parte. Aos atuais detentores de GOLL4 ele recomenda esperar um pouco antes de vender – mas sem comprar mais. Como o tombo já aconteceu, “se tiver uma recuperação da companhia, provavelmente as ações vão ser reprecificadas para cima, apesar de ser incerto que isso vai acontecer de fato.”
De todo modo, o especialista recomenda não ter qualquer exposição de capital a companhias aéreas, “um setor bem complexo”. Se a Gol sair do mercado, a Azul [AZUL4] poderia ficar mais atrativa com um eventual oligopólio mais concentrado, mas tal cenário por enquanto é só possibilidade.