A reviravolta no discurso do Fed: aperto acima de 0,75 p.p. não está descartado

O recuo no discurso do Federal Reserve (Fed) no encontro anual em Jackson Hole, em agosto, era iminente, e os mercados estavam se recuperando ante a expectativa de que a instituição desacelerasse o ritmo de aumentos das taxas de juros. Em véspera de divulgação de política monetária do banco central americano, investidores discutem a possibilidade de um aperto maior que o da decisão anterior.

Em agosto, autoridades do Fed acreditavam que os investidores estavam interpretando mal suas intenções, dada a necessidade de desacelerar a economia para combater a alta inflação. Em seu discurso no simpósio de Jackson Hole, o presidente Jerome Powell fez comentários incomumente breves com uma mensagem simples: o Fed aceitaria uma recessão como o preço pelo combate à inflação.

Powell citou o exemplo do ex-presidente do Fed Paul Volcker, que levou a economia a um buraco profundo no início dos anos 1980 com aumentos de juros punitivos, cujo objetivo de quebrar a inflação de dois dígitos. “Devemos continuar até que o trabalho esteja feito”, disse Powell, invocando o título da autobiografia de Volcker de 2018, “Keeping At It” (“Se mantendo nisso”, em português).

O momento ressalta a rápida reviravolta do presidente do banco central americano, durante um dos períodos mais agitados para a economia e o BC, desde os anos 1970. Após defender uma campanha de estímulo agressiva há 12 meses, Powell liderou, este ano, o aperto mais rápido da política monetária desde a década de 1980.

O Federal Reserve tenta equilibrar a balança. De um lado: pleno emprego, do outro, preços estáveis. As autoridades definem o último com uma meta formal de inflação de 2%.

Durante a maior parte das últimas duas décadas, a autoridade monetária pôde se concentrar no pleno emprego, porque a inflação raramente fugia muito de 2%. Hoje, porém, com a inflação em 8,3%, a mais alta desde o mandato de Volcker, Powell concluiu que, como o ex-presidente, ele deve se dedicar a essa questão, mesmo que tenha um sério custo de curto prazo sobre a empregabilidade. “Até que a inflação caia muito, o Fed é realmente um banco central de posicionamento único”, disse Richard Clarida, ex-vice-presidente do Conselho de Governadores de Powell.

Ex-presidente do Fed Paul Volcker (Fonte: Dow Jones Newswires)

Apesar de não preverem explicitamente uma recessão econômica, as autoridades deixaram clara sua disposição em tolerar uma. Powell parou de falar sobre o chamado “pouso suave”, no qual o Fed desacelera o crescimento o suficiente para derrubar a inflação sem causar uma recessão, exceto quando foi solicitado. Em vez disso, ele enquadrou o objetivo do banco de reduzir os preços altos como uma obrigação “incondicional” e alertou para consequências ainda piores para o mercado de trabalho no futuro se o Fed não parar a inflação agora. “Nós não podemos falhar nisso”, disse Powell aos legisladores neste verão.

Uma possibilidade é que eles aumentem as taxas até forçar o desemprego a subir e desacelerar o crescimento dos salários – a imagem que tem sido passada pela estratégia usada até o final do ano passado.

Christopher Waller, membro do conselho de dirigentes do Fed, sugeriu este mês que o banco central estaria confortável com a taxa de desemprego subindo para cerca de 5%, dos atuais 3,7%. Essa magnitude de aumento nunca ocorreu fora de uma recessão. “Se o desemprego ficar abaixo de, digamos, 5%, acho que poderíamos ser realmente agressivos com a inflação”, afirmou. Depois de ultrapassar 5%, o Fed enfrentará “uma óbvia pressão para começar a fazer compensações” entre emprego e inflação.

Os mercados demoraram a aceitar a nova postura do Federal Reserve, em grande parte porque está em desacordo, há anos, com a forma como a instituição tem agido. No passado, o banco central americano flexibilizou a política monetária sempre que a economia e o mercado de trabalho aparentaram estar em perigo – um possibilidade enquanto a inflação estava em ou abaixo de sua meta de 2%.

No primeiro ano da pandemia, Powell imitou a resposta do ex-presidente Ben Bernanke à crise financeira de 2008, lançando políticas inovadoras destinadas a evitar colapsos econômicos e de mercado. Há um ano, a maioria das autoridades do Fed continuava focada em evitar o problema pós-2008, de crescimento lento e uma fraca recuperação de empregos.

Quando a inflação começou a subir no ano passado, ela apareceu inicialmente impulsionada por um punhado de itens, como carros usados ​​ou passagens aéreas, vinculados à reabertura da economia pós-Covid. As autoridades avaliaram mal como a demanda mais forte, alimentada pelo estímulo fiscal e pelas baixas taxas do Fed, exacerbou esses gargalos. Alguns disseram que sua ênfase na recuperação de empregos impediu que enxergassem as ameaças de que a inflação permaneceria mais alta por mais tempo.

“O Fed tem uma responsabilidade considerável pela situação atual. A política monetária foi muito frouxa por muito tempo”, disse Michael Strain, chefe de estudos de política econômica do American Enterprise Institute. Até março passado, por exemplo, o Fed estava comprando títulos hipotecários para manter as taxas de juros de longo prazo, embora os mercados imobiliários estivessem em alta. “Isso foi um grande erro. Não deveria ter acontecido”, disse.

A dificuldade do BC em prever como a economia se recuperaria da pandemia foi agravada no início deste ano pela guerra russo-ucraniana e o contra-ataque financeiro do Ocidente, que elevou os preços de energia, fertilizantes e outras commodities.

O quão altas as taxas terão permanecer é extremamente incerto, em parte porque as perspectivas de inflação também são altamente incertas. Economistas dentro e fora do Fed anteciparam que o ritmo dos aumentos de preços diminuirá à medida que a demanda mais fraca por bens e os preços mais baixos das commodities e os custos de envio forem alimentados pelas cadeias de suprimentos.

O ex-economista-chefe do FMI Oliver Blanchard disse nesta terça-feira (20) que o Federal Reserve deverá ter de aumentar os juros a um nível acima de 4% para conter a inflação do país. Para ele, o aumento deve ocorrer “a passos largos” até o fim do ano. “Tenho bastante certeza de que o Fed terá de aumentar os juros além de 4%”, disse Blanchard, durante participação no MKBR22.

De acordo com o economista e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a inflação dos Estados Unidos pode recuar nos próximos meses, a um nível ainda acima da meta. Mesmo assim, o desempenho da economia americana deve dificultar a tarefa de debelar a inflação de núcleos.

A Oxford Economics afirmou em relatório que o Fed irá repetir a dose de suas duas últimas reuniões e elevar os juros em 0,75 p.p. Para a Oxford, os EUA devem enfrentar uma “recessão leve” no primeiro semestre de 2023, mas não está claro se o BC projetará isso agora. Após a decisão desta quarta, a Oxford diz ainda que outra elevação do mesmo nível pode ocorrer em novembro.

O Deutsche Bank coincide na aposta, embora mencione uma alta de 1 p.p. como “possível”. O banco alemão argumenta lembrando que Powell já disse que uma alta de 0,75 p.p. é substancial e “não usual”, e que vários dirigentes da ala hawkish têm mencionado essa faixa.

No início desta semana, o monitoramento do CME Group mostrava cerca de 80% de chance de uma elevação de 0,75 p.p., com 20% de possibilidade de uma elevação de 1 p.p.. O Danske Bank afirma que o mercado já dá como “negócio fechado” a alta de 0,75 ponto, mas “com alguns pedindo uma elevação ainda maior”.

 

 

(Dow Jones Newswires e Agência Estado)

Sair da versão mobile