Arcabouço fiscal de Haddad é positivo (mas não à prova de balas)

Brasília (DF) 30/03/2023 Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad e do Planejamento, Simone Tebet, durante coletiva sobre a nova regra fiscal. Foto: José Cruz/ Agência Brasil

DISCLAIMER: o texto a seguir trata apenas da opinião do autor e não necessariamente reflete a opinião institucional da Nomos Investimentos ou do TradeNews.

Minha primeira impressão sobre o arcabouço fiscal proposto é POSITIVA.

Entre os principais pontos positivos, temos:

(i) limitação do crescimento de despesas por uma regra fixa (e com crescimento menor que o de receitas);

(ii) inclusão de 100% das despesas na regra proposta, ou seja, a caixa d’água não será furada com exceções aqui e ali – as delícias dos políticos: furar regras via exceções –  e, portanto, poderá não vazar;

(iii) limitação do crescimento de despesas a 2,5% e (iv) apresentação de boas metas para a despesa primária do governo (0,0% 2024, +0,5% 2025, +1,0% 2026).

Entretanto a proposta não é perfeita e padece de inúmeras debilidades. A primeira é uma clara alusão a atingir o equilíbrio fiscal única e exclusivamente via aumento de arrecadação.

O próprio Haddad, ao ser indagado se haveria aumento de carga tributária, saiu pela tangente e não respondeu diretamente à questão. Citou explicitamente que não haveria “novos impostos, nem aumento de alíquotas nos existentes”.

Esses dois pontos não definem exclusivamente o que causa variação na carga tributária. Lembrando que carga tributária é a arrecadação total do governo frente à geração total de riqueza (PIB) do país.

A carga fiscal, pelo arcabouço proposto e pelas condições macroeconômicas atuais, certamente aumentará com essa proposta. Haddad sinalizou isso com a frase de que Lula incluirá “o pobre no Orçamento e o rico no imposto de renda”.

Especificou que setores que pagam pouco imposto, por terem benefícios fiscais, certamente serão os primeiros a serem revisitados para aumento da arrecadação do governo.

Fechou a resposta dizendo que não haverá aumento de carga tributária, mas uma “recomposição da base fiscal” – numa clara tortura semântica às palavras empregadas.

Só quem é leigo não entendeu o eufemismo que (na equação petista) a “recomposição” é o próprio aumento.

pontos não esclarecidos que podem ajudar (ou prejudicar) a aplicação do arcabouço. Entre as dúvidas que ainda pairam, destaco:

(i) não está claro se o Congresso Nacional irá implementar a proposta exatamente nos moldes do governo – só o tempo dirá;

(ii) mesmo que seja implementado exatamente com o governo propôs, também não está claro se as metas de primário serão também positivadas em lei (ou na mesma lei).

A meta é fundamental para garantir o equilíbrio fiscal ao longo de um ciclo no qual haja anos de queda na arrecadação. O arcabouço baseia o equilíbrio fiscal em um crescimento constante das receitas e um crescimento menor das despesas.

Mas a apresentação do arcabouço foi silente sobre o que acontece na (iii) eventualidade da arrecadação governamental cair de um ano para o outro.

Um ano de queda na arrecadação já ensejaria uma regra como linha d’água (aos moldes do que acontece com taxas de performance em fundos de investimentos) para ser respeitada a recomposição de receitas antes de se poder novamente voltar a subir despesas.

Por fim, existe sempre a questão da disciplina na execução e da busca constante por brechas para que a regra seja burlada.

Uma coisa é uma regra boa. Outra é uma regra boa sendo cumprida.

Em momento nenhum foi sinalizado se haverá sanções que obriguem o ministro e o presidente a cumprirem a regra, como eventualmente, considerar crime de responsabilidade o seu não cumprimento (i.e. algo já proposto em outras legislações, como a Lei de Responsabilidade Fiscal).

Também já vimos o filme da regra burlada no atual teto de gastos, positivado na Constituição. Se burlaram normas constitucionais, que dirá uma simples lei (ou lei complementar).

Novamente, uma boa regra ajuda, mas não resolve. Precisaremos acompanhar de perto o interesse político na consecução dos objetivos por detrás do novo arcabouço fiscal.

Estamos positivos e continuamos vigilantes!

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