As ações e declarações do presidente americano Donald Trump têm colocado o bloco econômico do BRICS no centro de um debate geopolítico. Com a imposição de tarifas e a ameaça de sanções, especialistas sugerem que a postura de Trump pode, ironicamente, fortalecer a união entre os países-membros. Este artigo, baseado em uma reportagem da BBC News, explora os motivos por trás da hostilidade de Trump e o impacto de suas políticas no cenário internacional.
BRICS: Um desafio à hegemonia americana
Donald Trump expressou publicamente seu descontentamento com o BRICS, que ele descreveu como um “grupo de países anti-Estados Unidos” e um “ataque ao dólar”. O bloco, composto por Brasil, Rússia, China, Índia, Irã, Etiópia, Indonésia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Egito, representa quase metade da população mundial e 40% da riqueza global.
Especialistas em relações internacionais veem o BRICS como uma força anti-hegemônica. A professora Marta Fernandez, do BRICS Policy Center da PUC-Rio, explica que o grupo busca uma ordem mundial multipolar e descentralizada, o que desafia a dominância dos EUA no pós-Segunda Guerra Mundial. Para Trump, essa busca por autonomia é vista como uma provocação direta.
O professor Lucas Leite, da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), reforça essa visão, afirmando que a crescente procura de outros países por adesão ao BRICS é percebida como uma ameaça. O bloco oferece alternativas a instituições ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, por meio do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Além disso, a proposta de usar moedas nacionais no comércio e a discussão sobre a criação de uma moeda própria do BRICS são vistas por Trump como tentativas de “destronar o dólar”, um ato que ele considera uma “provocação existencial” aos Estados Unidos.
Tarifas e o caso brasileiro
A postura de Trump se manifestou em ações concretas, como a imposição de tarifas a membros do BRICS. A Índia, por exemplo, foi alvo de tarifas de 25% com a justificativa explícita de sua participação no bloco. O Brasil, por sua vez, enfrenta uma tarifa de 50% sobre alguns de seus produtos, embora quase 700 itens, como suco de laranja e petróleo, tenham sido isentos.
A justificativa para a tarifa brasileira foi particularmente singular, pois Trump a vinculou ao processo judicial do ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem ele considera estar recebendo um “tratamento injusto”. Essa abordagem, que mistura geopolítica e política interna, foi vista como uma manobra para chantagear e controlar mercados, segundo o professor Lucas Leite.
Ainda que a participação no BRICS tenha influenciado as decisões de Trump, a variação nas tarifas aplicadas aos diferentes membros sugere que outros fatores também estiveram em jogo. Países como a África do Sul e a China receberam taxas de 30%, enquanto Emirados Árabes Unidos e Egito foram taxados em 10%, mostrando que a política tarifária foi utilizada como um mecanismo geopolítico mais amplo.
O “efeito Trump” e a coesão do BRICS
Apesar das tentativas de isolamento, a professora Marta Fernandez aponta que as ameaças de Trump podem ter um efeito inesperado no BRICS. A curto prazo, podem surgir tensões, com alguns países tentando apaziguar os EUA. No entanto, a médio e longo prazo, a pressão externa pode gerar uma maior coesão interna, unindo os membros contra o que é visto como “arrogância imperial”.
Fernandez sugere que as tarifas forçarão os países afetados a buscar novos parceiros comerciais, e o BRICS é a plataforma ideal para isso. Lucas Leite concorda, afirmando que as ações de Trump estão acelerando a coesão do grupo e a adesão de novos membros, o que contribui para a “decadência relativa” dos EUA no cenário global.
Em resumo, a política de Donald Trump em relação ao BRICS, embora visando enfraquecê-lo, pode estar inadvertidamente pavimentando o caminho para uma maior solidariedade e fortalecimento do bloco. Ao tentar cooptar países individualmente, Trump pode estar, na verdade, unindo-os em sua busca por um sistema multipolar.
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