O Brasil está prestes a ultrapassar os EUA este ano como o principal exportador de milho do mundo, refletindo tanto uma colheita abundante quanto avanços logísticos, como a consolidação de rotas de exportação do norte, que estão impulsionando a competitividade do poderoso produtor de grãos sul-americano.
As exportações de milho pelos portos do norte do Brasil, que utilizam as vias navegáveis da bacia do rio Amazonas para enviar grãos para todo o mundo, estão a caminho de superar os volumes enviados através do porto mais tradicional de Santos pelo terceiro ano consecutivo, de acordo com uma análise de dados de envio de grãos da Reuters.
A mudança destaca como o Brasil, que produz três safras de milho por ano e ainda tem vastas extensões de terra agrícola subutilizadas, está finalmente superando alguns dos gargalos de infraestrutura que há muito tempo dificultam o envio de suas colheitas abundantes para os mercados globais.
Isso e um novo acordo de fornecimento com a China anunciado no ano passado sugerem que o Brasil pode estar abrindo uma era mais longa de supremacia sobre as exportações de milho dos EUA, ao contrário da última vez em que os brasileiros brevemente conquistaram a coroa global do milho durante a temporada de seca da América do Norte em 2012-2013.
A capacidade de exportação melhorada ajudou o Brasil a preencher lacunas no mercado global de milho em meio a interrupções da guerra no principal exportador de grãos, a Ucrânia, e tensões comerciais entre os EUA e a China.
“Comemoramos muito quando os volumes de exportação de milho feitos através dos portos do norte se igualaram a Santos”, disse Sérgio Mendes, chefe do grupo exportador de grãos do Brasil, Anec. “Ao usar portos do norte, você economiza R$ 20 por tonelada (de milho).”
Grandes novos investimentos no Brasil começaram a aliviar vários gargalos e a reduzir drasticamente os custos logísticos, ajudando o país a ultrapassar os agricultores americanos.
Rotas de exportação do norte, em particular, se beneficiaram de uma lei de 2013 que incentivou negociadoras de grãos, como Cargill e Bunge e a operadora de barcaças Hidrovias do Brasil [HBSA3], a construírem novos terminais portuários de uso privado (TUP).
Suas estações nos rios Tapajós e Madeira ligaram o coração do país agrícola aos portos da Amazônia em ascensão, como Itacoatiara, Santarém e Barcarena.
O terminal de grãos Tegram, em Itaqui, construído e operado por comerciantes estrangeiros e brasileiros, incluindo Louis Dreyfus Commodities e Amaggi, aumentou seus volumes de exportação de grãos em 306%, em oito anos, para mais de 13 milhões de toneladas em 2022, segundo dados fornecidos pelas empresas.
Ao contrário de uma concessão tradicional por um período limitado, o quadro jurídico do TUP desbloqueou uma onda de investimentos portuários de longo prazo no Brasil.
Segundo um estudo de 2020 feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), cerca de R$ 39 bilhões foram investidos na construção e expansão de 112 novos terminais de uso privado sob a nova lei.
No entanto, a indústria agrícola do Brasil ainda enfrenta problemas logísticos. A capacidade de armazenamento nas propriedades do setor ainda é inferior à dos principais produtores de grãos concorrentes, como Canadá, Estados Unidos e Argentina.
No Mato Grosso, estado que é o principal produtor de grãos, de acordo com dados do governo estadual até 2021, o déficit de armazenamento aumentou para 46 milhões de toneladas métricas após a colheita anual de milho triplicar em uma década, ultrapassando 90 milhões de toneladas, mais rápido do que a construção de novos silos.
A falta de espaço de armazenamento significa que os agricultores brasileiros são obrigados a vender rapidamente suas colheitas ou empilhar o milho fora dos armazéns e torcer por um clima bom. Como resultado, grande parte da colheita se acumula nas estradas durante uma janela sazonal estreita, o que pode resultar em congestionamentos caros.
Rota mais barata para a China
A nova capacidade de exportação ajudou os grãos enviados pelos portos do norte do Brasil a competir em custos logísticos com os agricultores dos Estados Unidos.
Segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA e da ESALQ-LOG do Brasil, o transporte de uma tonelada de soja em 2008 de Iowa para Xangai custava 77% do preço de usar os portos do norte do Brasil, mas em março de 2023 ficou 5% mais caro enviá-lo dos EUA.
Thiago Pera, coordenador de pesquisa em logística da ESALQ-LOG, explica que, para o milho, os valores do frete são muito semelhantes.
A bacia amazônica também se tornou competitiva com o porto sudeste de Santos, há muito tempo o ponto forte das exportações de grãos brasileiras.
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), cerca de 37% das exportações totais de milho do Brasil embarcaram pelos portos de Barcarena, Itaqui, Itacoatiara e Santarém no primeiro semestre de 2023,. Apenas 24% saíram de Santos.
Em comparação, Santos exportou quase três vezes mais milho do que esses quatro portos do norte em 2015, antes que grandes investimentos expandissem a capacidade portuária na região amazônica.
“A maior parcela dos embarques pelos portos do norte reflete custos de frete mais baratos em comparação com as rotas para os portos no sul e sudeste”, disse Thome Guth, funcionário da Conab.
A Conab prevê a produção total de milho do Brasil em 2023 em quase 130 milhões de toneladas métricas, a mais alta já registrada, e as exportações atingindo 50 milhões de toneladas métricas pela primeira vez.
Os futuros do milho em Chicago caíram de uma alta de 10 anos em abril de 2022 para uma baixa de dois anos e meio neste mês, devido à ampla oferta do Brasil.
A infraestrutura de exportação do Brasil demonstra pouca chance de diminuir, mesmo que preços mais baixos possam desencorajar os agricultores a expandir o plantio rapidamente.
A empresa estatal chinesa COFCO está construindo um novo terminal de grãos importante em Santos depois de obter uma licença de 25 anos para operar uma unidade com capacidade para 14 milhões de toneladas.
Os embarques do terminal STS11 da COFCO estão programados para começar em 2026.
Uma licença rodoviária emitida há dois anos também modernizou um importante corredor de grãos amazônicos que se estende por mais de 1.000 quilômetros entre Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso até os portos no estado do Pará, conhecido como BR-163.
Por anos, caravanas de caminhões carregando grãos ficavam presas regularmente na lama profunda da estrada quando eram pegos pela chuva a caminho dos portos do norte.
Grandes projetos ferroviários ainda enfrentam uma série de obstáculos burocráticos, mas alguns saíram do papel.
A maior empresa ferroviária do Brasil, a Rumo [RAIL3], acaba de concluir um investimento de R$ 4 bilhões na Ferrovia Norte-Sul, iniciada em 2019.
A linha conecta o porto de Santos aos estados agrícolas Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso, reforçando outra rota importante para levar as colheitas brasileiras aos mercados globais.
(Com Reuters)