As vendas no varejo ultrapassaram os investimentos como impulsionadoras do crescimento do PIB no primeiro trimestre
Há anos, os economistas alertam que a economia da China sofria de um desequilíbrio que tornava seu rápido crescimento insustentável. O país dependia demais de investimentos e não tinha gastos suficientes com consumo.
Nesta terça-feira (18), a China divulgou números que mostraram que os gastos dos consumidores estavam desempenhando um papel mais forte do que o esperado para impulsionar sua recuperação após o país suspender suas rigorosas medidas de Covid zero. A grande questão é se isso vai durar.
O Escritório Nacional de Estatísticas de Pequim informou hoje que a economia cresceu 4,5% no primeiro trimestre em comparação anual, a taxa mais rápida de crescimento desde o 1T22 e uma melhora significativa em relação à taxa de 2,9% nos últimos três meses do ano passado.
A força da recuperação econômica da China no 1T23, quando o país ficou livre das restrições da Covid, foi um ponto positivo para um cenário de economia global enfrentando vários obstáculos, incluindo inflação persistente, taxas de juros mais altas e consequências da instabilidade no setor financeiro.
No entanto, o que mais chamou a atenção de muitos economistas nos dados divulgados hoje foi a fonte do crescimento da China: em grande parte, ele foi impulsionado pelas vendas no varejo, que saltaram mais de 10% em março em relação ao ano anterior.
Essa foi a taxa mais rápida em quase dois anos e ajudou a compensar uma desaceleração mais acentuada do que o esperado nos setores imobiliário, de infraestrutura e outros investimentos privados.
Março marcou o primeiro mês em dois anos em que o aumento ano a ano nas vendas no varejo superou o aumento na produção industrial e no investimento em ativos fixos, de acordo com a Wind, provedora de dados.
“Os índices de consumo continuam à frente dos segmentos industriais”, disse Louise Loo, economista da Oxford Economics, para clientes após a divulgação dos dados, prevendo mais força dos consumidores chineses nos próximos meses.
Antes da pandemia da Covid-19, o boom econômico da China havia sido em grande parte construído em um modelo impulsionado por investimentos que economistas, tanto dentro quanto fora da China, haviam alertado que não se adequava mais ao país.
Com muitos dos projetos de infraestrutura mais caros já construídos, o investimento estava fluindo cada vez mais para empreendimentos menos fiscalmente sólidos que aumentavam o ônus da dívida do país sem trazer tantos benefícios econômicos.
Enquanto isso, as tentativas da China de incentivar os gastos dos consumidores eram vistas como um pouco tímidas e, em última análise, limitadas pela rede de segurança social relativamente subdesenvolvida do país, o que significava que muitas famílias preferiam poupar dinheiro ou investir suas economias na compra de uma propriedade, em vez de gastá-las.
A pandemia só reforçou esse desequilíbrio.
Três anos de protocolos de Covid desencorajaram os consumidores chineses de sair e gastar dinheiro, e a relutância de Pequim em emitir os tipos de cheques de estímulo aos quais muitos governos ocidentais recorreram durante a pandemia significou que o crescimento econômico dependia em grande parte do crescimento liderado por investimentos e dos consumidores ocidentais – muitos dos quais usaram seus vouchers do governo para comprar bens fabricados na China.
Agora, após a suspensão abrupta das regras rígidas da Covid de Pequim no final de 2022, os consumidores chineses mostraram sua disposição de abrir suas carteiras, enchendo cinemas, shoppings e aviões após três anos de austeridade forçada.
Depois de ficar para trás por tanto tempo, agora “o ponto positivo é o consumo, que está se fortalecendo à medida que a confiança das famílias melhora”, disse Zhiwei Zhang, economista-chefe da Pinpoint Asset Management.
Como o forte aumento nos gastos do consumidor é em grande parte orgânico e não depende de estímulos, Zhang espera que o momentum econômico melhore no segundo trimestre e que o crescimento do PIB supere 6% este ano – confortavelmente acima da meta oficial do governo de cerca de 5%.
Em março, a receita de restaurantes aumentou 26% em relação ao mesmo período em 2022, de acordo com os dados oficiais divulgados, um sinal de que os consumidores estavam ansiosos para abraçar a vida pós-Covid e gastar com mais liberdade.
Ao mesmo tempo, a atividade de investimento que Pequim tem usado há muito tempo para amortecer a economia durante as desacelerações anteriores diminuiu.
O crescimento do investimento em ativos fixos moderou inesperadamente em março, enquanto o aumento no investimento em infraestrutura diminuiu ligeiramente para 8,8% nos primeiros dois meses do ano.
Mais preocupante ainda, o investimento no setor imobiliário, que desempenhou um grande papel em impulsionar o crescimento econômico da China ao longo da última década, ainda não se estabilizou.
O investimento em propriedades caiu 5,8% no 1T23 em comparação com o mesmo período do ano anterior.
A grande questão agora é se o aumento nos gastos do consumidor é apenas efêmero – o que os economistas apelidaram de “consumo de vingança” – ou se isso indica uma mudança mais duradoura em que os consumidores desempenham um papel maior em impulsionar o crescimento geral.
Uma pesquisa trimestral do Banco Central da China no início deste mês indicou que as famílias chinesas estão mudando suas mentalidades em relação à redução de suas economias após três anos de incerteza causada pela Covid, o que poderia indicar uma maior disposição para gastar.
Economistas do Citigroup e do Société Générale, citando o relatório do BC, preveem que a taxa de poupança entre as famílias urbanas continuará a cair à medida que a confiança aumenta.
Tommy Wu, um economista sênior do Commerzbank, disse a seus clientes nesta terça-feira que, se a confiança continuar a melhorar, a recuperação do consumidor pode durar algum tempo, em vista da inflação ao consumidor estar limitada até agora este ano – apenas 0,7% em março.
De forma mais ampla, os economistas esperam que as fortes cifras de crescimento continuem nos próximos meses, em parte por causa das comparações favoráveis com os números econômicos fracos do segundo trimestre de 2022, quando a atividade em Xangai foi afetada por um bloqueio de vários meses.
Hoje, tanto o UBS quanto o Citigroup aumentaram suas previsões de crescimento do PIB para a China este ano para 5,7% e 6,1%, respectivamente, bem acima da meta oficial de crescimento em torno de 5%.
Alguns economistas permanecem cautelosos, observando que a recuperação geral ainda está em estágio inicial, com várias desvantagens persistentes.
O ressurgimento do crescimento das exportações em março pode ser de curta duração se o impulso das ordens atrasadas diminuir, como se espera, e os riscos de recessão continuam a pairar sobre as economias ocidentais.
O estresse contínuo no mercado de trabalho, que viu a taxa de desemprego entre os jovens subir para 19,6% em março, também pode prejudicar a confiança do consumidor nos próximos meses.
O setor imobiliário da China, duramente atingido, também continua enfrentando desafios.
Os dados de hoje mostraram que o início de novas construções por incorporadoras imobiliárias caiu 19,2% em relação ao ano anterior em março, aprofundando a queda de 9,4% nos primeiros dois meses do ano.
A confiança entre os empresários privados também continua fraca, prejudicada nos últimos anos pelas regulamentações em constante mudança sobre Covid e o ambiente empresarial mais amplo.
Os investimentos das empresas de propriedade privada expandiram apenas 0,6% no primeiro trimestre em relação ao ano anterior, ficando atrás da expansão de 10% nos investimentos das entidades estatais, segundo os dados divulgados.
“O golpe na confiança do setor privado é mais profundo e amplo do que esperávamos anteriormente”, diz Tianlei Huang, pesquisador do Instituto Peterson de Economia Internacional.
(The Wall Street Journal)