De olho em Miami, o Rio de Janeiro se apresenta como um Vale do Silício tropical

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A segunda maior cidade do Brasil está cortejando os nômades digitais e os manos da tecnologia enquanto lida com uma população cada vez menor

Milhões de visitantes chegam ao Rio de Janeiro todos os anos por causa das praias, música hipnotizante e festas. Agora, como a cidade enfrenta perda de população, as autoridades estão tentando aproveitar essas atrações para estabelecer o Rio como um centro tecnológico regional.

Desde que retornou ao cargo em 2021, o prefeito Eduardo Paes, que é mais conhecido por ter trazido os Jogos Olímpicos para o Rio, tem tentado convencer desenvolvedores, operadores de criptomoedas e nômades digitais sobre o apelo da cidade brasileira perfeita para cartões postais.

Na visão de Paes, com os trabalhadores cada vez mais distantes dos escritórios, o Rio tem todas as condições de se tornar um centro para o que ele chama de “finanças do futuro”.

“Quando falo de criptomoedas e mercados de carbono, vejo um ambiente em que as pessoas não precisarão necessariamente se reunir para trabalhar”, disse ele em uma entrevista no início deste ano. “Então, o que elas vão procurar? Qualidade de vida.”

A segunda maior cidade do Brasil vem se debatendo em busca de um novo modelo econômico há décadas, depois que o centro do poder do país se mudou para Brasília e a bolsa de valores para São Paulo. Isso fez com que o Rio perdesse talento e capital enquanto tentava se reiniciar.

Mas o Rio enfrenta obstáculos para atrair moradores: a cidade é atormentada por problemas de longa data, como grave desigualdade econômica, serviços precários e falta de moradia – que só aumentaram com a Covid-19. E a segurança tem se tornado uma preocupação crescente, com uma série de assassinatos de alto nível nos últimos meses chamando a atenção para a alta taxa de homicídios do país.

Abordar questões de segurança é “fundamental para qualquer tipo de investimento de alta ou baixa tecnologia que vise à criação de empregos”, afirmou Sergio Magalhães, ex-secretário de habitação do Rio e autor de “Reinventando a Cidade: Interação, Equidade, Sustentabilidade“. Ele argumentou que isso requer ajuda das autoridades estaduais e federais.

Paes, agora em seu terceiro mandato como prefeito após uma candidatura malsucedida a governador, está tentando atrair novos setores – criptomoedas, mercados de carbono, jogos eletrônicos – em uma tentativa de transformar o Rio no centro de inovação da região. Para isso, ele e sua equipe estão reduzindo impostos, assinando leis e renovando bairros para criar uma economia de praia do século XXI.

“O ambiente no Rio, a paisagem ou a natureza é um ativo econômico”, disse Paes. “Portanto, trabalhem em casa, tenham sua casa no Rio. Será muito, muito melhor.”

Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, à direita, entrega a chave da cidade ao Rei Momo, líder simbólico do Carnaval, em 17 de fevereiro de 2023. [Fotógrafo: Dado Galdieri/Bloomberg]
Aninhada entre quilômetros de litoral e montanhas verdes em cascata, a Cidade Maravilhosa, como é conhecida pelos admiradores, atrai um fluxo constante de turistas, principalmente durante as animadas comemorações de Carnaval. A atenção global do Rio certamente aumentará à medida que se prepara para sediar a cúpula do G-20 no próximo ano.

Mas os críticos questionam o esforço de imitar outras cidades no marketing para os trabalhadores como uma alternativa tropical a Wall Street ou ao Vale do Silício.

“A questão é: eles estão vindo? E a segunda: isso é realmente uma coisa boa?”, questionou Ned Murray, diretor associado do Metropolitan Center da Florida International University, que estuda a economia de Miami e o recente boom imobiliário. Ele alerta para o fato de que as mudanças em Miami estão precificando e deslocando moradores locais que são essenciais para os setores dominantes da cidade, como turismo e hotelaria.

“Eu colocaria um sinal de alerta”, disse ele.

Cidades como Miami e Lisboa se tornaram hotspots durante a pandemia, pois os trabalhadores abandonaram o estilo de vida de colarinho branco em favor do trabalho remoto e do sol. A corrida foi bem recebida pelos prefeitos, mesmo que isso tenha causado um aumento nos aluguéis e distorcido as economias locais. Mas agora Portugal está perdendo tantos graduados universitários locais que os empregadores estão tendo dificuldades para contratar.

Mais de dois anos depois que o Rio começou a se apresentar como um destino para nômades digitais, apenas cerca de 700 pessoas haviam recebido visto de trabalhador remoto para entrar no Brasil até 23 de outubro. As autoridades afirmam que esse número não retrata o quadro completo de trabalhadores remotos no Rio, muitos dos quais podem estar visitando o país por conta própria. 

Uma projeção do novo desenvolvimento para o polo tecnológico do Vale do Porto Maravilha. [Foto: Prefeitura do Rio]
“Temos boas mentes, temos pessoas, temos a produção de muita ciência no Rio, mas por alguma razão tudo vai para São Paulo ou para o exterior”, comentou Bulhões. “Esse conhecimento não é transformado em riqueza para a cidade.”

O hub se concentra em um novo campus da principal universidade de matemática do Brasil, o Impa, e em um espaço para startups, tudo isso previsto para ser concluído no início do próximo ano. Ao redor dele, as incorporadoras estão construindo torres que oferecerão milhares de novos apartamentos para trazer residentes permanentes.

Mesmo com o centro se preparando para ser inaugurado no início do próximo ano, a área ao redor ainda abriga prédios vazios e ocupantes, reforçando os problemas que os críticos dizem não ter sido resolvidos pela reforma de Paes.

“Esse é o contraste do Rio”, destacou Alvaro Costa e Silva, um colunista que escreve sobre política e a vida da cidade do Rio e que criticou os esforços de desenvolvimento de Paes por ignorar prédios históricos e moradores de longa data. “Algo também precisa ser feito pelo que já existe no Centro.”

Pessoas se reúnem ao longo de uma rua comercial no Centro histórico do Rio de Janeiro, em 2016. [Fotógrafo: Mario Tama/Getty Images South America]
Paes, um político de carreira de 54 anos que fala rápido e tanto deslumbrou líderes mundiais quanto enfureceu os moradores com seus esforços ostensivos para reformar a cidade, decidiu encantar os que têm mentalidade digital.

Paes supervisionou o desenvolvimento de bilhões de dólares antes da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Um de seus projetos emblemáticos envolveu a reabilitação de uma área portuária de 5 quilômetros quadrados – incluindo a demolição de uma rodovia elevada – para a construção de parques, ciclovias e museus. 

As obras do Porto Maravilha foram aclamadas internacionalmente, mas também foram alvo de protestos de moradores que achavam que a cidade estava se preocupando demais com os megaeventos e negligenciando aspectos básicos como coleta de lixo e educação. 

Prefeito Eduardo Paes. [Fotógrafo: Dado Galdieri/Bloomberg]
O prefeito enfrenta agora um ambiente econômico totalmente diferente de suas administrações anteriores. Naquela época, o Brasil estava no auge de uma bonança de commodities e era visto como uma estrela em ascensão no cenário mundial. Mas o boom fracassou e o setor petrolífero dominante da cidade foi atingido por um grande escândalo de pagamento de propina que levou a falências, fuga de capital e uma mancha duradoura em sua imagem.

Rodrigo Stallone, 37 anos, que até setembro de 2022 dirigiu a agência de promoção de investimentos do Rio, a Invest.Rio, diz que o impulso se baseia, em parte, na tentativa de mudar a narrativa, reduzindo a burocracia e se promovendo como favorável à tecnologia e ao meio ambiente.

“Talvez façamos algo parecido com o que Miami fez e comecemos a roubar as empresas do Vale do Silício”, disse ele.

Em 2022, enquanto dividia o palco com seu colega de Miami, o prefeito Francis Suarez – talvez o maior defensor do Bitcoin entre as autoridades dos EUA – Paes anunciou leis para incentivar pagamentos em moedas digitais.

Desde então, o Rio sediou a conferência de criptografia Ethereum duas vezes e a principal conferência de tecnologia Web Summit em maio, onde Paes anunciou planos para transformar o Rio na “capital da inovação da América Latina”.

Alguns já estão apostando alto na transformação. Em maio, a Hashdex, uma gestora de ativos de criptografia, inaugurou a Hashtown, sua sede de três andares no bairro do Leblon, à beira-mar, buscando servir como um berço para o cenário tecnológico nascente da cidade.

Uma praia no bairro litorâneo do Leblon, onde a presença da tecnologia está crescendo. [Fotógrafo: Wagner Meier/Getty Images South America]
No andar térreo fica o Crypto Kitchen, onde NFTs piscam nos monitores enquanto um chef com estrela Michelin serve pratos como carpaccio de vieiras e cheeseburgers. Abaixo estão os escritórios da Hashdex, que tem cerca de US$ 494 milhões sob gestão, espaço de trabalho compartilhado e o The Club, que o CEO da Hashdex, Marcelo Sampaio, descreve como uma Soho House para os fundadores e executivos que trabalham ou viajam pelo Rio.

“Queremos ser o marco zero”, afirmou Sampaio em uma entrevista na sede do clube. “Temos todos os ingredientes aqui.”

Paes também parece ter adaptado uma abordagem de tentar todas as coisas tecnológicas até que algo cole. Após o colapso da FTX, anteriormente uma das maiores bolsas de criptomoedas do mundo, o prefeito adotou coisas como videogames competitivos – anunciando que o Rio se tornaria a “capital dos esportes eletrônicos” em janeiro – e, mais recentemente, fixou sua visão nos mercados de crédito de carbono.

Em junho, o prefeito assinou incentivos fiscais para estimular negócios verdes. A cidade está oferecendo incentivos a desenvolvedores que estejam gerando créditos de carbono e a grandes poluidores, como a produtora estatal Petrobras [PETR3;PETR4] e a gigante da mineração Vale [VALE3]. Ambas estão sediadas no Rio e é esperado que se tornem grandes compradoras de créditos para cumprir as promessas de zero emissões líquidas.

“Não vamos nos tornar Houston, então por que não uma nova tecnologia?”, indagou Bulhões, 35 anos, secretário de economia.

Ainda é muito cedo para determinar quais dos novos setores se manterão na cidade. Observadores e investidores concordam que os esforços estão apenas começando.

“Paes está plantando uma semente”, concluiu Costa e Silva, o colunista. “Teremos que ver se o Rio vai surfar uma nova onda ou apenas uma bolha.”

(Com Bloomberg; Título original: Looking to Miami, Rio Markets Itself as a Tropical Silicon Valley)

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