A mesma empresa que twittou que “amor é compartilhar a senha” planeja acabar com o compartilhamento de contas. A mudança é uma das respostas da Netflix à desaceleração do crescimento da companhia, especialmente no mercado americano.
Pesquisadores da empresa apontaram que as contas emprestadas são um grande empecilho no crescimento do número de assinaturas desde 2019. Apesar do impacto nas finanças, a Netflix não tomou providências, em meio à preocupação sobre como lidar com o problema sem afastar os consumidores, que logo em seguida foi apagada por bons resultados.
No ano seguinte, o isolamento da pandemia trouxe uma onda de novos assinantes. O fechamento de cinemas, arenas e restaurantes centralizou o entretenimento dentro de casa, e a Netflix ganhou quase 16 milhões de novos assinantes somente no primeiro trimestre daquele ano. Naquele momento, os olhares voltaram-se para a segurança dos funcionários e nas produções interrompidas, dissipando a atenção sobre o empréstimo de contas.
Desde então, a Netflix não havia criado nenhuma estratégia para acabar com a prática até este ano, quando as perdas de assinantes aumentaram. Em uma reunião da empresa fora de Los Angeles no início de 2022, o co-presidente executivo Reed Hastings disse aos executivos seniores que o auge da pandemia havia mascarado o tamanho do problema, e que eles esperaram demais para lidar com isso, segundo pessoas que estavam na reunião.
Mais de 100 milhões de telespectadores da plataforma assistem ao serviço usando senhas emprestadas – geralmente de familiares ou amigos, de acordo com a empresa. A Netflix afirmou que dará fim à situação a partir de 2023, e que pretende começar a implementar a mudança nos EUA no início do ano que vem.
A decisão corre o risco de não ser bem recebida pelos clientes, que têm uma multidão de outros serviços de streaming para à disposição, o que não seria uma surpresa para o co-CEO da Netflix Ted Sarandos. “Não se engane, não acho que os consumidores vão adorar [a mudança] desde o início”, disse Sarandos a investidores no início de dezembro, acrescentando que cabia à Netflix garantir que os usuários valorizassem o pagamento para o serviço.
Os termos de serviço da Netflix já dizem há muito tempo que a pessoa que paga pela conta deve manter o controle dos dispositivos que a utiliza e não compartilhar senhas, mas a empresa nunca aplicou a regra com rigor.
Aplicar maior rigidez no compartilhamento de senhas se mostrou bastante complexo. Filhos que estão temporariamente em outra casa poderiam usar a conta de seus pais? E o que acontece quando o usuário têm uma segunda casa ou viaja muito?
A plataforma de streaming atualizou suas páginas de ajuda ao cliente este ano, na qual afirma que as contas devem ser compartilhadas apenas por pessoas que moram juntas. A empresa disse que aplicaria suas regras com base em endereços IP, IDs de dispositivos e atividade da conta.
A Netflix chegou a considerar a possibilidade de alugar conteúdo em pay-per-view, disseram fontes internas da empresa sobre condição de anonimato, o que poderia deixar os usuários mais cautelosos em compartilhar suas informações de login com outras pessoas, visto que estas poderiam fazer compras em seu nome. No final, a empresa decidiu contra essa tática, em parte porque os executivos de produto estavam preocupados que isso prejudicaria a simplicidade do serviço, disseram as fontes.
Como líder no negócio de streaming de vídeo, com 223 milhões de assinantes globais e um valor de mercado de cerca de US$ 128 bilhões, a Netflix é a primeira na indústria a confrontar o compartilhamento de senhas, mas provavelmente não será a última. Outros rivais de streaming também enfrentam perdas e, com o tempo, a pressão para ganhar dinheiro e continuar crescendo pode levar serviços como Disney+, HBO Max e Paramount+ a analisar com o assunto com atenção.
Analistas da Cowen estimam que a mudança na política sobre senhas da Netflix pode gerar uma receita adicional de US$ 721 milhões no próximo ano nos EUA e no Canadá, onde há cerca de 30 milhões de usuários.
“É uma tentativa, e pode definitivamente ajudar, mas também é uma tentativa única”, disse Neil Macker, analista sênior de ações da Morningstar. Ele acredita que a empresa está subestimando o grau em que a mudança estimulará os clientes a cancelarem as assinaturas.
A empresa está realizando testes em países da América Latina, uma das regiões onde o empréstimo de senhas é mais comum. Nesses testes, a Netflix permite que os assinantes paguem para compartilhar contas com até duas pessoas que não moram na sua casa.
Em vez de impedir que os usuários de senhas acessem a conta de outra pessoa, a Netflix solicita que eles insiram um código de verificação para o dispositivo. O código é enviado ao proprietário da conta principal e deve ser inserido em até 15 minutos.
A pessoa que está com a senha emprestada consegue assistir aos vídeos normalmente após inserir o código, mas pode receber solicitações até que o proprietário da conta pague uma taxa mensal adicional para garantir um compartilhador.
A Netflix recebeu reclamações de consumidores após os testes, mas muitos optatam por pagar pelo compartilhamento, segundo as fontes internas.
Ainda de acordo com as fontes, os executivos discutiram a cobrança de compartilhadores de contas nos EUA por pouco menos que US$ 6,99, preço do plano com anúncios ja vigente na Netflix. Isso poderia encorajar aqueles que pegam as senhas emprestadas a pagarem uma assinatura própria – e ter controle total sobre a conta – em vez de pedir ao proprietário da conta que pague uma taxa de compartilhamento.
O objetivo inicial da Netflix é buscar soluções para que os usuários a reduzam os empréstimos por conta pronta, sem que a empresa interfira abruptamente.
(com Dow Jones Newswire)