Especial BVRJ: Como surgiu a Bolsa de Valores do Rio?

O Rio de Janeiro dos chinelos no pé, roupas de banho, areia e mar já foi uma cidade inundada com blusas sociais, corretores gritando e investidores apreensivos para saber – somente no jornal do dia seguinte – se seu investimento havia valido a pena.

Quem passa pelo prédio espelhado e imponente na Praça XV de Novembro vê somente o fantasma do que um dia foi a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ). Em uma viagem pelo tempo, o professor e economista Carlos Cova falou ao TradeNews como foi a formação, o auge e a queda da BVRJ, em uma série de três reportagens. 

Com os Bragança veio a praça

Quando, em 8 de março de 1808, a família real portuguesa aportou no Rio de Janeiro, fugida da pressão napoleônica que ocorria na Europa continental, a cidade não oferecia exatamente o que esperavam.

Por isso, uma série de empreendimentos foram sendo construídos ao longo dos primeiros anos da estadia da família na cidade, incluindo uma praça de comércio – antigo nome da Bolsa de Valores – em 1820.

“Uma bolsa de valores em funcionamento viabiliza os negócios”, indicou Carlos. Segundo ele, o órgão era necessário para que tanto o governo quanto os civis pudessem receber financiamentos e realizar transações comerciais como as de metais e de produtos agrícolas, por exemplo.

Entretanto, logo em seu primeiro ano de funcionamento, a BVRJ já enfrentaria problemas. As tensões em torno da independência do Brasil – que viria acontecer somente em 1822 – levaram a uma invasão das tropas portuguesas à praça de comércio, situada onde hoje se encontra a Casa França-Brasil.

O episódio, que acabou resultando na morte de algumas pessoas no local, levou aos corretores mudarem seu lugar de negócios.

“Ela ficou um bom tempo funcionando na rua”, conta Carlos.

Estabilidade

Após anos de turbulência, a BVRJ alcançou anos estáveis a partir do estabelecimento do governo de D. Pedro II, com o comércio de café a todo vapor. Inclusive, foi neste período que a praça experimentou um aumento de subscrição de títulos de empresas. 

O economista afirma que muito desse avanço na construção da BVRJ foi proporcionado por Irineu Evangelista de Sousa, conhecido como Barão de Mauá. 

Apesar da calmaria, a época também teve suas baixas. Carlos explica que os Ministros da Fazenda do período muitas vezes emitiam moedas por meio de títulos de forma excessiva, ampliando a oferta monetária e gerando inflação.

Com isso, surgiu uma rivalidade entre os metalistas e os papelistas, com os primeiros querendo restringir a oferta de moeda baseando-se na quantidade de ouro disponível – a partir do padrão-ouro, método que foi praticamente substituído pelo dólar a partir da II Guerra Mundial – e os últimos desejando ampliar a quantidade de moeda.

Encilhamento

“Essa, talvez, tenha sido uma crise tão relevante quanto a crise de 29”, defende o professor. 

Um pouco antes da Proclamação da República, iniciou-se um movimento na BVRJ em que os investidores compravam um papel em massa, o que levava a ação a se valorizar antes mesmo que eles tivessem que pagar por essa aquisição com os corretores. 

Isto acabou criando uma bolha especulativa, o que representa o descolamento do preço de um ativo e o seu valor.

Em 1891, uma medida do governo acabou por tentar tributar as operações que ocorriam na bolsa a fim de controlar a bolha. Em resposta, os corretores pararam de negociar, piorando a situação, já que o mercado se desesperou e passou a querer vender seus ativos.

“Apesar do governo ter revogado a tributação, o mercado nunca mais se recuperou e ficou super vendido, todos começaram a se desfazer de suas posições”, explicou. 

O período ficou conhecido como Encilhamento – uma crise econômica que afetou não só o mercado financeiro como todo o Brasil.

A partir disso, em uma política mais comedida, o governo impôs regulamentações mais rigorosas para as operações, o que causou um grande esvaziamento na BVRJ.

“Praticamente só se negociava títulos do governo, notas cambiais e muito pouco de títulos de empresa propriamente ditos”, concluiu.

Esse período mais fraco de negócios perdurou até o final da década de 1920, afirmou Carlos. 

Como era a Bolsa

Com a chegada de Vargas ao poder, a ideia de industrialização do Brasil passou a ficar mais forte, o que também influenciou na BVRJ.  

Entretanto, algumas características que, segundo Carlos, impediam a praça de voltar a um bom volume de negócios permaneceram.

À época, o número de corretores na Bolsa era fixo em 40. Além de ser um cargo vitalício, os profissionais que iriam se retirar do cargo poderiam indicar seu sucessor, o que tornava o nepotismo forte dentro do setor.

Esses aspectos perduraram até a década de 60, quando a BVRJ passou por “uma grande revolução”, de acordo com o economista e cuja particularidades o TradeNews contará na próxima reportagem do Especial BVRJ.

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