EUA estão perdendo ‘batalha épica’ contra a gripe aviária

Desde fevereiro do ano passado, a gripe aviária levou à morte dezenas de milhões de aves criadas em fazendas nos Estados Unidos, o surto com a maior mortalidade já registrado. 

Após perder oito milhões de galinhas poedeiras para a gripe aviária em 2015, a Versova, uma das cinco maiores produtoras de ovos dos EUA, gastou dezenas de milhões de dólares em sistemas de laser, canhões de som e chuveiros de trabalhadores para proteger os animais do vírus espalhado por pássaros selvagens.

Apesar das novas medidas, a Versova perdeu mais de dois milhões de galinhas no último surto, mostrando os limites das caras proteções da indústria. “Estamos travando uma batalha épica”, disse J.T. Dean, presidente da Versova. “Temos que ser perfeitos.”

A gripe aviária tem uma taxa de mortalidade de quase 100% em galinhas, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. É tão contagioso que até mesmo o vento pode levar excrementos de pássaros selvagens e contaminar os galinheiros, disse Dean. Para tentar evitar a propagação, tornou-se rotina o sacrifício de bandos inteiros quando um único caso da doença é detectado.

Desde fevereiro de 2021, a gripe aviária causou a morte de cerca de 58 milhões de aves criadas em fazendas nos EUA. A doença impulsionou o preço do peru ao recorde durante a temporada do Dia de Ação de Graças. Semanas depois, os preços dos ovos também atingiram o pico.

Não só a indústria de ovos tem sofrido. Os surtos também são um risco nos negócios de frango e peru. No passado, alguns meses depois, os casos diminuíam e os preços voltavam ao normal, o que não tem acontecido. Alguns funcionários do governo, cientistas e executivos da indústria avícola agora dizem que a gripe aviária provavelmente permanecerá, potencialmente mantendo os preços elevados.

Caixas de ovos em uma mercearia Kroger no verão passado em Houston

A perda de bandos para a gripe coincidiu com um amplo aumento no custo da mão-de-obra, energia e ração animal, pressionando os consumidores nos supermercados.

Mais de 43 milhões de galinhas morreram nos EUA em 2021, representando cerca de três quartos do número total de aves perdidas no país. Os estoques de ovos foram 29% menores na última semana de dezembro do que no início de 2022, de acordo com o Departamento de Agricultura. 

Grandes produtores de ovos, incluindo a Versova e a Cal-Maine, processadora de ovos, a gigante da agricultura Cargill e a familiar Hickman’s Egg Ranch estão atualizando as medidas de proteção para tentar mitigar os danos.

Luta contra o vírus

O vírus pode se espalhar nas granjas a partir do contato de trabalhadores com fezes de pássaros selvagens Pode ocorrer, por exemplo, de um funcionário pisar nas fezes do animal fora das fazendas e, sem sequer perceber, infectar os galinheiros a cada passo dado. Abutres, patos selvagens ou pragas também podem espalhar o vírus da gripe por meio do muco ou da saliva.

As granjas já contam com procedimentos de lavagem e desinfecção dos caminhões que transportam ração para as galinhas. As companhias melhoraram a ventilação dos galinheiros e exigem que os trabalhadores usem macacões e botas para cobrir os sapatos.

Terra sendo preparada para o descarte de quase 3 milhões de galinhas após gripe aviária atingir uma operação comercial em março passado em Wisconsin.

Algumas fazendas estão chegando ao ponto de instalar alarmes de detecção de movimento, conhecidos como canhões de som, e sistemas de laser iluminados para espantar pássaros selvagens sem prejudicá-los. Ainda foram instaladas redes sobre lagoas e locais onde animais, que sejam possíveis transmissores, costumam ficar.

Com as novas medidas, os casos de gripe em bandos comerciais diminuíram em janeiro, quando foram registradas menos de 500 mil mortes, enquanto houveram mais de 5 milhões em dezembro, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). 

A linha decrescente de registros não significa a extinção da doença. Pesquisadores da USDA afirmam que o vírus provavelmente ressurgirá na primavera, quando as aves selvagens migram pelos EUA.

“A ameaça de infecção contínua existe”, concordou Glenn Hickman, executivo-chefe do Hickman’s Egg Ranch, no Arizona. “Teremos que desenvolver uma maneira de lidar com isso.”

Proteja o galinheiro

A Versova possui cerca de 17 milhões de galinhas poedeiras, uma das maiores empresas de processamento de ovos do mundo.

Craig Rowles, que supervisiona os protocolos da Versova para prevenção de doenças, informou que a empresa está atualizando suas instalações agrícolas para se defender contra surtos. 

Entre as novas medidas, estão a construção de complexos de galinheiros com barreiras protetoras e entradas que servirão tal como fossos de castelos.

Os funcionários que entram nas instalações da empresa são obrigados a tirar todas as roupas e tomar banho em baias privadas com portas magnéticas que se fecham. Em seguida, eles vestem roupas recém-lavadas antes de entrar no local de trabalho.

Trabalhadores do USDA desinfetando funcionários de uma fazenda de perus em Minnesota, durante o surto de gripe aviária de 2015.

Durante o surto de gripe aviária em 2015, apenas uma das instalações da Versova estava equipada com chuveiros e outras medidas de biossegurança. Desde então,  J.T. Dean, presidente da Versova, disse que a empresa modernizou 10 de suas 13 instalações.

A companhia também contratou veterinários e mudou as práticas de limpeza de derramamentos de ração para manter afastados os pássaros selvagens. Instalou mecanismos vibratórios nos recipientes com ração para sacudí-las e resolver entupimentos sem envolver pessoas. Mesmo essas precauções não eliminaram os surtos, afirmou Dean.

As galinhas poedeiras são mais suscetíveis a contrair a gripe aviária porque são mantidas em produção por até um ano, aumentando o risco de infecção em comparação com os frangos de corte, que são criados para carne e abatidos dentro de seis a 10 semanas.

A partir desta primavera, a Versova trabalhará com os serviços do USDA para limpar a área ao redor dos celeiros para reduzir a atração de aves selvagens, de acordo com funcionários da empresa. O projeto é semelhante à união do USDA com aeroportos para liberar pista. As equipes cortarão a vegetação e colocarão barreiras, além de capturar e mover certas espécies de pássaros, de acordo com o USDA.

Em outubro, funcionários de uma das instalações reformadas da Versova no norte de Iowa notaram um aumento no número de aves mortas em um dos galinheiros. A empresa chamou autoridades veterinárias estaduais para coletar a saliva das aves para um teste.

O resultado do teste foi positivo, contou Dean, e todas as um milhão de aves da fazenda foram sacrificadas. Os trabalhadores limparam e desinfetaram cada centímetro das instalações. Os galinheiros foram aquecidos a mais de 100 graus por vários dias para ajudar a eliminar o vírus.

Após o surto de 2015, a Versova levou um ano para reabastecer as granjas. Desta vez, as instalações de Iowa reabriram em fevereiro após o surto de outubro, segundo Dean. “Tínhamos pessoas com experiência”, disse ele. “Tínhamos todos os nossos materiais prontos, todo o equipamento de limpeza, as lavadoras de alta pressão, fita adesiva, plástico e lona.”

A indústria de ovos como um todo também está se recuperando de surtos de gripe aviária mais rapidamente do que oito anos atrás. Atualmente, o tempo para a recuperação é de cerca de três a seis meses para a maioria das fazendas, enquanto era de seis a nove meses durante os surtos anteriores, de acordo com o American Egg Board, representante de produtores de ovos.

“Está em toda parte”

Hickman, do Hickman’s Egg Ranch, disse que sua maior instalação abriga cerca de 4 milhões de galinhas livres de gaiolas, ou seja, uma grande quantidade de animais em um único local. “Nunca faríamos isso de novo”, afirmou Hickman.

As novas instalações serão menores, abrigando cerca de um milhão de aves cada, segundo ele, e mais espaçadas devido à ameaça de surtos contínuos.

Em dezembro, trabalhadores de uma das fazendas de Hickman no Colorado encontraram pássaros mortos em um dos celeiros. Depois que o resultado do teste deu positivo para a gripe aviária, todas as 300 mil aves da fazenda foram asfixiadas individualmente com gás dióxido de carbono.

Hickman afirmou suspeitar que algum trabalhador espalhou o vírus inadvertidamente, possivelmente em suas botas ou roupas. Para reforçar a vigilância contra a transmissão, a empresa agora exige que as pessoas que entram em seus escritórios corporativos no Arizona passem por uma palmilha de cloro seco para desinfetar os sapatos.

Gansos selvagens voando sobre o Blackwater National Wildlife Refuge em Cambridge, Maryland.

O anterior surto em grande escala nos EUA durou de dezembro de 2014 a junho de 2015 e matou mais de 50 milhões de frangos e perus. No surto atual, as aves selvagens portadoras do vírus são responsáveis por 84% dos casos, afirmou Rosemary Sifford, diretora veterinária do USDA.

Patos transportaram o vírus para criadouros de aves selvagens, ajudando a espalhar a gripe aviária em todo os EUA, segundo John Clifford, ex-diretor veterinário dos EUA que supervisionou a resposta do USDA ao surto de 2015. “Está em toda parte”, afirmou Clifford.

Em seu último registro de valores mobiliários, a Cal-Maine, maior produtora de ovos norte-americana, informou em dezembro que não teve um único caso de gripe aviária e que estava trabalhando para mitigar o risco de novos casos. A empresa não revelou como manteve seus bandos seguros e se recusou a comentar.

A Merck e outros fabricantes de medicamentos possuem vacinas contra a doença, mas elas podem não valer o custo e o esforço necessários, de acordo com executivos de empresas de ovos e especialistas do setor. Os trabalhadores rurais teriam que dar injeções, provavelmente mais de uma dose, a milhões de galinhas que no geral produzem ovos por não mais de um ano.

O uso de vacinas também pode atrapalhar o comércio. Outros países teriam que aprovar produtos feitos de aves vacinadas, de acordo com o USDA. Tal situação seria um desafio, visto que os EUA são o segundo maior exportador mundial de carne de aves.

“É meio fácil dizer: ‘Bem, vamos vacinar e isso resolverá o problema'”, disse Dean. “A verdade é que é muito, muito mais complicado.”

(com The Wall Street Journal)

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