GPA [PCAR3] tem possível dívida maior que o reportado e futuro incerto

Outra varejista parece estar enfrentando problemas muito maiores que os reportados em seu resultado trimestral. O Grupo Pão de Açúcar divulgou seu balanço comercial do segundo trimestre de 2023 em julho, mas a empresa pode estar numa situação mais difícil que a apresentada.

Analista de uma grande gestora de investimentos, que preferiu permanecer anônimo, afirmou que o endividamento e o Ebitda – isto é, o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização – reais da empresa são diferentes que os registrados em seu balanço do 2T23.

Ele sinalizou que, assim como a Via [VIIA3], o GPA não inclui o valor de seus contratos de aluguel – extremamente importante para empresas do setor de varejo – ao calcular seu Ebitda, o que supervaloriza o indicador e melhora os múltiplos da empresa.

Esta prática não é ilegal, já que o International Financial Reporting Standard (IFRS)-16 – conjunto de normas contábeis internacional – e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC)-06  – conjunto de normas contábeis nacional – definem que os aluguéis de imóveis devam ser tratados como uma aquisição de ativo intangível. 

Isto acaba excluindo o custo de aluguéis para o cálculo do Ebitda.

Entretanto, segundo o analista, empresas bem capitalizadas e intencionadas tendem a incluir em seus balanços tanto os cálculos pré-IFRS-16 quanto após. 

Para evitar confundir seus investidores, ao reportar seu Ebitda sem estas despesas de aluguel, o GPA deveria acrescentar em sua dívida líquida os passivos de direito-de-uso, que representam a dívida com despesas futuras destes aluguéis.

Dessa forma, a empresa iria padronizar a maneira como apresenta suas informações financeiras aos seus investidores e mostraria uma situação mais fidedigna de alavancagem da companhia. 

O GPA também poderia fazer o contrário: reportar sua dívida líquida financeira excluindo os contratos de aluguel (como o fazem), mas apresentar aos investidores o Ebitda em sua visão antes das mudanças do IFRS-16. 

Além disso, o GPA não inclui alguns outros ajustes que poderiam refletir melhor a geração de caixa e dívida da empresa.

Ebitda

O analista ressalta que há uma diferença significativa no valor do Ebitda antes e depois das mudanças do IFRS-16. Antes da regra contábil – ou seja, quando se inclui o valor dos aluguéis – o valor do Ebitda dos últimos 12 meses ficaria em R$ 261 milhões.

No entanto, após o IFRS-16, o valor sobe para cerca de R$ 1,1 bilhão. Diferença bem significativa, que acaba reduzindo o principal indicador para se entender o endividamento da empresa: a Dívida Líquida sobre o Ebitda (DL/Ebitda). 

Depois da adoção da regra, os cálculos apontam para uma DL/Ebitda em 6,3x. Por outro lado, pré-IFRS-16, o indicador ficaria em 11,3x, outro salto expressivo.

Além disso, o especialista afirma que o GPA exclui de seu Ebitda “outras receitas e despesas operacionais”, o que incluiria gastos com “reestruturação”. Para ele, estas despesas ocorrem de maneira recorrente há anos e parecem operações que deveriam ser incluídas no cálculo do indicador. 

Endividamento

Um dos principais pontos trazidos pelo analista é que a empresa vem realizando antecipações de recebíveis relevantes para o cálculo de sua dívida líquida. 

Antecipação de recebíveis é o movimento que uma companhia realiza ao adiantar o recebimento de valores devidos a ela resultantes da venda de produtos ou serviços com pagamento a prazo.

Segundo apuração do especialista, a empresa antecipou cerca de R$ 530 milhões em recebíveis, assumindo um custo de antecipação de Certificado de Depósito Interbancário (CDI) + 2%. Com isso, o valor da dívida líquida da empresa sairia de R$ 2,9 bilhões para R$ 3,4 bilhões.

Futuro da empresa

Dívidas bancárias

O analista assinalou que a empresa possui hoje R$ 1,6 bilhão em vencimentos de dívidas bancárias de curto prazo (nos próximos 12 meses). O número quase dobra ao se olhar para um horizonte de 24 meses, indo a R$ 3,1 bilhões.

O caixa atual pode parecer suficiente para pagar parte da dívida, mas ele alerta que a queima corrente dos recursos da companhia pode fazer com que ela faça uma “rolagem” destas despesas. 

Outro artifício utilizado pelo GPA para gerar mais caixa é a emissão de debêntures. Entretanto, isto pode ser apenas mais um problema para o futuro do Grupo Pão de Açúcar. 

O mecanismo consiste em um título de dívida da empresa para gerar caixa diretamente com investidores em vez de instituições financeiras. O analista explica que, no mercado secundário, estas debêntures estão sendo negociadas com spreads entre DI + 12,6% e DI + 15,8%. 

Isto significa que ao procurar o mercado para refinanciar parte de suas dívidas no futuro, o custo de captação não deveria ser muito diferente do custo em que as dívidas estão sendo negociadas no mercado secundário e, portanto, deveriam deteriorar ainda mais o custo com as despesas financeiras em exercícios futuros do GPA.

Geração de caixa

Em projeção, o analista explica que o Pão de Açúcar precisaria gerar, em venda de ativos, o valor de R$ 845 milhões a fim de evitar a necessidade de caixa adicional – leia-se aumento de capital.

Entre as opções de ativos da companhia, o GPA possui 34% das ações da CNova, que tem valor de mercado de 960 milhões de euros. 

No entanto, somente cerca de 2% da empresa possui ações negociadas no mercado de ações – free-float –, sendo o restante da participação propriedade do francês Grupo Casino – controlador da empresa brasileira –, o que não necessariamente reflete o real valor da participação do GPA e, também, torna a venda desta participação mais complexa, indicou o analista. 

Vale lembrar que o Casino manifestou interesse em comprar esta participação na Cnova. Entretanto, nenhum acordo foi firmado ainda ou preço de aquisição divulgado.

A outra participação relevante que o Pão de Açúcar tem é no Grupo Éxito, em 13% das ações totais, o que equivale a cerca de R$ 560 milhões, a valores atuais de mercado, e que poderiam ser mais facilmente vendidos nos próximos meses.

Em relação aos imóveis, o cenário não é muito mais otimista, já que a companhia não parece ter muito mais ativos para vender, com a maior parte do imobilizado da empresa sendo composto por benfeitoria em ativos de terceiros e outros equipamentos, disse o especialista.

A sede do GPA, localizada na Avenida Brigadeiro Luís Antônio em São Paulo, segue em posse da empresa, com valor estimado entre R$ 300 e R$ 400 milhões, mas não foi negociada até o presente momento.

Na visão do analista, é provável que a companhia tenha de realizar ofertas de aumento de capital a fim de readequar sua estrutura, devendo ser uma oferta bem relevante a fim de desalavancar a companhia.

Ele também sinalizou que o Casino também está em uma situação complicada de alavancagem e “não deve ter muito fôlego para acompanhar uma oferta”.

Valuation

O analista desenhou quatro possíveis cenários de como o mercado pode enxergar o valuation da companhia. 

Sem a venda dos 13% restantes que a empresa possui de participação no Éxito, a dívida líquida reportada fica em R$ 2,9 bilhões, enquanto a dívida líquida ajustada à antecipação de recebíveis equivale a R$ 3,4 bilhões.

A cifra resultaria em uma DL/Ebitda de 6,8x e um Enterprise Value – valor da empresa – sobre Ebitda (EV/Ebitda) de 9,9x, assumindo-se a dívida líquida reportada. No caso da dívida líquida ajustada à antecipação de recebíveis, a DL/Ebitda seria de 8x e o EV/Ebitda de 11,1x.

Ao incluir o valor de uma possível venda do restante da participação do GPA na varejista colombiana, a dívida líquida reportada cairia para cerca de R$ 2,3 bilhões e o indicador ajustado à antecipação de recebíveis seria de R$ 2,9 bilhões.

A DL/Ebitda seria de 5,5x e o EV/Ebitda 8,6x no primeiro caso e 6,7x e 9,8x, respectivamente, no segundo.

“Mesmo assumindo a venda da participação do Éxito a preço de mercado, o GPA está negociando entre 8,6x e 9,8x Ev/Ebitda para 2023E, múltiplos que parecem altos para uma operação deficitária e com um baixíssimo retorno sobre o capital investido”, afirmou o especialista.

Além disso, ele também disse que uma DL/Ebitda entre 5,5x e 6,7x “chama muito a atenção”.

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