Como um bloqueio de mídia saiu pela culatra para a família real britânica
Por semanas, observadores da realeza de ambos os lados do Atlântico se agitaram com o estado de saúde de Kate Middleton. A Princesa de Gales mal tinha sido vista em público por dois meses após uma cirurgia abdominal em janeiro. Um jornalista na Espanha declarou, sem fornecer evidências, que ela estava próxima da morte. Uma foto dela e de seus filhos acabou sendo uma montagem e apenas alimentou as chamas da conspiração.
Mas no último fim de semana, um breve passeio com seu marido, o Príncipe William, para comprar mantimentos em Windsor, foi filmado por um pedestre e o vídeo logo foi publicado pelo tabloide The Sun. O clipe ganhou destaque nas primeiras páginas dos jornais britânicos na terça-feira (19) e pôs fim a grande parte, mas não a todas, as especulações mais loucas. Detetives amadores digitais ainda estavam discutindo sobre a mulher do vídeo ser uma sósia.
O episódio aponta para o desafio interminável da família real de equilibrar seus papéis públicos com suas vidas privadas, e onde o direito do público de saber termina e o direito à privacidade da família real começa. Catherine, em particular, tornou-se uma Princesa Diana dos tempos modernos, sua imagem carinhosamente estampada nos jornais britânicos no momento em que pisa em público, tornando uma ausência de mais de dois meses particularmente crítica.
A morte de Diana, mãe do Príncipe William, em 1997, mostrou as consequências trágicas de uma mídia excessivamente intrusiva e que permitia pouca privacidade à família. A indignação pública sobre o papel dos paparazzi na morte de Diana, e escândalos iniciados uma década depois sobre alegações de que alguns tabloides hackearam ilegalmente os telefones dos membros da realeza para obter fofocas, levaram a um acordo: a imprensa britânica agora é muito menos intrusiva, contando com o palácio para distribuir informações cuidadosamente selecionadas.
Mas as últimas semanas mostraram que pouca informação e pouco acesso também são perigosos: o vácuo provavelmente será preenchido por notícias falsas e malucos nas redes sociais. E tendo conseguido subjugar a imprensa sensacionalista britânica, a família real agora tem que lidar com um adversário igualmente difícil em veículos de mídia estrangeiros e personalidades das redes sociais, que têm menos restrições do que a mídia tradicional.
“No mundo atual das redes sociais, você não pode se dar ao luxo de não dizer nada ao público, porque muito mistério fará com que todos se transformem em detetives, incluindo todas as pessoas malucas online”, disse María Eugenia Yagüe, colunista social do jornal El Mundo da Espanha. Com a princesa fora de ação por meses, e o Rei Charles III com um tipo não revelado de câncer, o público fica livre para especular, permitindo que os rumores se espalhem, disse ela.
Um exemplo disso foi Concha Calleja, uma autora espanhola cujos livros afirmam revelar verdades ocultas sobre a vida e morte de celebridades. Em janeiro, Calleja disse ao programa de fofocas Fiesta que uma fonte real lhe disse que a vida da princesa estava em grande perigo após sua cirurgia, forçando os médicos a colocá-la em coma induzido.
Normalmente, o palácio tem uma política de manter silêncio diante de rumores. Mas essa política foi testada repetidamente nas últimas semanas. As alegações de Calleja levaram o palácio a reagir. Um funcionário do palácio não identificado afirmou ao jornal britânico Times: “É totalmente inventado”. O Palácio de Kensington afirmou em 29 de janeiro que Catherine havia saído do hospital para se recuperar em casa em Windsor.
Isso não foi o fim da questão, já que a negação foi divulgada pela mídia britânica tradicional, amplificando indiretamente as alegações originais, também ecoadas por uma série de veículos de mídia espanhóis enquanto se espalhavam pela internet.
Calleja escreveu vários livros, incluindo “Alvo: Michael Jackson”, sobre o que a capa dizia ser “a conspiração para acabar com o rei do pop”. Ela escreveu dois livros sobre a morte de Diana, que afirmava ter sido um “acidente intencional”. Seu último livro afirma provar que a pandemia de Covid-19 começou em um laboratório chinês. O slogan de Calleja em seu site diz: “Caçando aqueles que mentem.”
O segundo livro de Calleja sobre a morte de Diana questiona se ela está realmente enterrada onde a família real britânica afirma. A capa do livro diz que há um segredo enterrado sob o túmulo. O site de Calleja destaca: “Se você veio até aqui, é porque não aceita qualquer versão dos eventos, e eu o parabenizo por isso.”
Em sua página do LinkedIn, Calleja ressalta ser especialista em criminologia e psicologia forense, listando um diploma da escola de negócios Euroinnova, uma escola online, e um mestrado em psicologia da Cambridge International University, de ensino à distância na Espanha que não tem ligação com a universidade do Reino Unido. Ela não respondeu aos pedidos de comentário. Nenhuma das universidades também.
“Ela já publicou algumas coisas interessantes antes, mas as pessoas não a levam muito a sério”, disse Yagüe sobre Calleja. Catherine “estava em coma e não houve vazamentos para a imprensa britânica, mas houve para uma autora na Espanha? Pessoalmente, não acredito.”
O palácio inadvertidamente alimentou o boato com a publicação – para marcar o Dia das Mães no Reino Unido – de uma imagem de Kate e seus três filhos. Ela havia sido digitalmente alterada. Catherine assumiu a culpa, dizendo que, como fotógrafa amadora, costumava retocar suas fotos e pediu desculpas por qualquer confusão. Após a publicação, Calleja foi ao ar para reforçar suas afirmações.
Outro exemplo é o de vários títulos da mídia russa, que na segunda-feira afirmaram que o rei havia morrido depois que um documento falso declarando sua morte foi circulado nas redes sociais do país, incluindo em uma conta do Telegram com 2,3 milhões de seguidores. O Palácio de Buckingham foi novamente obrigado a responder, afirmando que o rei estava bem.
Psicólogos afirmam que as pessoas formarão suas próprias teorias na ausência de informações confiáveis, muitas vezes optando por aquelas que podem ser mais interessantes do que a verdade.
“Uma explicação simples muitas vezes não é muito atraente, especialmente quando pessoas famosas estão envolvidas”, argumentou Karen Douglas, professora de psicologia na Universidade de Kent, que estudou teorias da conspiração. “As pessoas assumem que deve haver de alguma forma uma explicação maior, ou mais coisas acontecendo do que as pessoas sabem.”
A mídia britânica tradicional, que em grande parte havia defendido Catherine em relação à foto editada, se sentiu queimada com esse episódio. Vários jornais britânicos publicaram histórias elogiosas sobre o retorno de Catherine aos holofotes antes de terem que mudar para a notícia de que as imagens poderiam ser falsas.
“O essencial é que a mídia tradicional receba as informações corretas”, explicou Robert Jobson, jornalista britânico e correspondente real. “Em última análise, a mídia tem a responsabilidade de dizer a verdade aos leitores. Se não podem confiar neles, em quem podem confiar?”
Sob Charles, os funcionários do Palácio de Buckingham têm sido um pouco mais abertos. Quando a falecida Rainha Elizabeth II e seu marido, o Príncipe Philip, receberam tratamento médico, a imprensa geralmente era informada somente depois que haviam deixado o hospital. Desta vez, o palácio divulgou publicamente que Charles tem câncer. Ele foi visto em vídeos e declarações se referindo ao seu câncer e agradecendo desejos de melhoras. Nenhum detalhe sobre o prognóstico foi divulgado.
O Palácio de Kensington, que lida com a imprensa do Príncipe e da Princesa de Gales, tem sido mais reservado sobre a princesa. Não ofereceu pistas sobre a condição de Catherine, dizendo apenas que ela estava bem e que haveria atualizações se algo mudasse materialmente. O bloqueio de notícias saiu pela culatra. À medida que as semanas passavam e a imagem de Catherine estava visivelmente ausente dos jornais, os rumores começaram a circular. Após a foto do Dia das Mães, eles foram potencializados.
Durante grande parte do século XX, a família real manteve um controle rígido sobre sua imagem. Na época da abdicação do Rei Edward VIII em 1936, a imprensa britânica mal mencionava a existência de sua então namorada divorciada, Wallis Simpson. Foi somente depois que os jornais americanos cobriram o assunto que a imprensa britânica seguiu o exemplo. E mesmo quando Eduardo abdicou para se casar com Simpson, a resposta da imprensa britânica foi extremamente contida.
Na década de 1990, esse entendimento foi desfeito à medida que a família mergulhou em desavenças em meio a casamentos reais fracassados. A imprensa britânica se deleitou, imprimindo detalhes íntimos do caso do então Príncipe Charles com sua futura segunda esposa Camilla, incluindo uma transcrição de uma ligação telefônica em que ele brincava dizendo que gostaria de ser o absorvente dela.
A ex-esposa do Príncipe Andrew, Fergie, foi fotografada de férias tendo os dedos dos pés chupados por seu amante. A então ex-esposa de Charles, Diana, foi perseguida por paparazzi até sua morte em um acidente de carro em Paris. Nos anos seguintes, os tabloides britânicos continuaram a ter acesso fácil a uma série de fofocas reais, em parte graças à interceptação de mensagens de voz.
Na última década, essa fonte inesgotável de fofocas reais foi interrompida depois que essas práticas alegadas foram tornadas públicas e ações judiciais foram movidas contra numerosas organizações de notícias.
Os correspondentes reais passaram a depender cada vez mais do Palácio de Kensington e do Palácio de Buckingham, que lidam com a imprensa do rei, para ter acesso a informações preciosas que poderiam fornecer aos leitores, regidos por uma ameaça implícita de que teriam o acesso negado se a mídia se comportasse mal.
Além disso, a imprensa sensacionalista britânica se posicionou contra o Príncipe Harry e Meghan Markle após eles deixarem os deveres reais, se unindo com Charles, William e Catherine. O jornal The Sun, junto com o The Wall Street Journal e o jornal britânico Times, são de propriedade da News Corp.
Assim que um problema de comunicação para a família real foi resolvido, outro surgiu. A família real adotou o Twitter em 2014, com a Rainha Elizabeth II aprovando e enviando o primeiro tweet do monarca e a família anunciando a segunda gravidez de Catherine.
Por anos, a família conseguiu alimentar seus súditos com uma regularidade de fotos e declarações diretamente por meio das redes sociais. Rumores circulavam online, mas o palácio não se envolvia com eles.
A forma como a família usa as redes sociais não evoluiu muito e continua regiamente sóbria. Charles encerra suas declarações nas redes sociais com “Charles R”, sendo R a abreviação de “Rex”, a palavra em latim para rei. William e Catherine compartilham uma conta no X que é amplamente preenchida com fotos deles em eventos; eles encerram as declarações com “W” e “C”, respectivamente.
Não houve indicação de que palácio está tomando medidas legais contra aqueles que espalham declarações potencialmente difamatórias sobre Catherine. Mas fazer isso não seria difícil, teoricamente, por causa das rigorosas leis de difamação do Reino Unido, disse Nicholas Taylor, sócio do escritório de advocacia Healys.
O palácio teria que mostrar que a princesa sofreu sérios danos à sua reputação e que a alegação foi vista no Reino Unido. Segundo a lei britânica, caberia ao jornalista provar que a acusação era verdadeira, ao invés de o palácio ter que provar o contrário. Mas entrar com um processo provavelmente forçaria a família real a divulgar mais sobre a saúde de Catherine do que fez até agora, pontuou Taylor.
Há momentos em que o palácio tomou medidas. Em 2012, a revista de fofocas francesa Closer publicou imagens de Catherine seminua de férias. A revista foi posteriormente ordenada por um tribunal francês a pagar indenização ao casal e uma liminar impediu que as imagens fossem reproduzidas na Grã-Bretanha.
(Com The Wall Street Journal; título original: Kate Middleton Is Alive but the Royal Conspiracy Theories Won’t Die; tradução feita com auxílio de IA)