Caminhões carregando garrafas de Coca-Cola adentram as fronteiras da Rússia, turistas retornam de outros países com roupas da Zara e lojas virtuais compram e revendem estoques de mercadorias da IKEA.
Marcas ocidentais podem ter deixado o país, mas seus produtos não.
Apesar de empresas europeias, norte-americanas e japonesas terem saído da Rússia por conta de suas ações na Ucrânia, o impacto nos consumidores russos é mínimo, ainda que o tempo de entrega possa ser maior e alguns produtos mais caros.
A maior mudança aconteceu nas rotas de mercadorias, mas os artigos continuam disponíveis tanto online quanto em lojas. Os consumidores precisam apenas saber onde procurar.
Essencialmente, a grande maioria de bens não é submetida a sanções, e os transportes entre fronteiras são legais. E Moscou está feliz de deixá-los entrar, por qualquer rota que seja.
Os produtos continuam disponíveis em solo russo, e isso demonstra o desafio das empresas em controlar as cadeias de fornecimento quando retiram seus serviços de algum país.
Zara em Minsk
A Inditex, dona da Zara, fechou todas as suas 502 lojas na Rússia depois de o país enviar suas tropas para a Ucrânia. Após isso, a empresa vendeu os locais para a Daher Group, empresa dos Emirados Árabes Unidos.
Agora, importações em pequena escala e vendedores online mantêm as lojas (e as empresas) vivas na Rússia, segundo pesquisa da Reuters com seis grandes lojas virtuais e conversas com compradores e vendedores.
Albina, 32, levou uma mala vazia a Minsk no último verão e voltou 24 horas depois com 442 dólares em roupas da Zara, Bershka e Massimo Dutti para si e para seus amigos.
Embora muitas marcas ocidentais que interromperam suas operações na Rússia também tenham saído de Belarus – aliada ferrenha de Moscou – a Inditex não o fez.
A empresa não respondeu quando perguntada sobre.
Albina também comprou roupas em Paris e Dubai, além de usar uma rede de vendedores online, contou à Reuters.
“Existem páginas no Instagram, no Telegram, tenho mulheres conhecidas que se mudaram para Europa, Istambul ou Dubai”, ela disse.
“Eles tomam pedidos, vamos dizer em Istambul, pegam de 15% a 30% (como comissão), depois fazem entregar aqui e você paga a entrega”, completou.
O rublo forte do ano passado e a lira turca fraca influenciaram as mentes de consumidores russos.
As dinâmicas de câmbio foram parcialmente responsáveis por um aumento em sete vezes em entregas da Turquia no CDEK Forward, um serviço de delivery online de sites de e-commerce, contou Dinara Ismailova – diretora de marketing da companhia – à Reuters.
“Assim que as marcas disseram que iriam embora, um pânico se instaurou, e o número de pedidos aumentou significativamente”, explicou Ismailova.
Lidando com pedidos pequenos e privados, o faturamento da CDEK Forward dobrou no último ano, com 80% deles vindo de roupas, enquanto a renda relacionada a bens triplicou.
“É comparável a ir pessoalmente em uma loja da Zara em Nova York, comprar algo lá e mandar para seus amigos em Moscou”, analisou Ismailova.
Lojas online
Com a quebra das cadeias de suprimentos, a Rússia legalizou as chamadas “importações paralelas”, permitindo aos varejistas trazerem produtos de fora sem a permissão do proprietário da marca.
Sites de e-commerce venderam uma grande variedade de bens importados, e os vendedores alertam que trazem produtos de fora do país.
A líder do mercado Wildberries vende estoques antigos de marcas da Inditex e tem quase 17 mil bens na sua seção da Zara.
Uma fonte próxima da Inditex disse que eram estoques em liquidação localizados na Rússia quando as produções foram suspensas no país.
A Wildberries não respondeu à Reuters.
Um produto unânime nas vendas de Wildberries e suas concorrentes Ozon e Yandex Market é a Coca-Cola, muitas vezes anunciada como importada, para que compradores saibam da sua autenticidade.
Enquanto a empresa Coca-Cola parou sua produção e venda de bebidas na Rússia no último ano, outros as têm importado, com etiquetas em latas e garrafas mostrando suas origens europeias, no Cazaquistão, Uzbequistão e China.
Uma peculiaridade desse arranjo é a variação de preços. Em um mercado de Moscou, três garrafas de Coca-Cola estavam à venda por três preços diferentes, importadas da Dinamarca, Polônia e Reino Unido.
Um empregado de uma grande loja de varejo explicou como as empresas têm se adaptado.
“Contatos foram estabelecidos rapidamente e novos contratos com novos parceiros assinados, dinheiro novo começou a circular e cadeias de suprimentos logísticas com companhias turcas, polonesas e cazaques foram lançadas”, disse ele, em anonimato.
Coca-Cola importada de ainda mais países estão disponíveis agora.
“No entanto, como sempre, é o comprador que paga mais por essas inconveniências”, completou o trabalhador.
Importações “amigáveis”
À medida que novas rotas são desenvolvidas, os custos extra de logística, viagens e escalas cairão, e embora o comércio permaneça relativamente ineficiente, essas novas relações estão aqui para ficar, disse Ram Ben Tzion, CEO da Publican, plataforma de verificação digital.
“Os mecanismos paralelos de importação estão consolidados e expandidos, significando que praticamente tudo é acessível e ainda será no futuro”, prosseguiu Ben Tzion, apontando para filas de caminhões na fronteira e novas entidades surgindo em estados próximos.
“A Coca-Cola pode facilmente notar um “aumento na demanda” de países vizinhos da Rússia, de onde a maioria das importações vêm”, disse Ben Tzion. “Não é do interesse deles fazer algo sobre”.
A Coca-Cola se recusou a comentar.
Países “amigáveis” – que não impuseram sanções – aumentaram as exportações à Rússia, mostram seus dados comerciais. A própria Rússia parou de publicar números relacionados.
O comércio entre China e Rússia atingiu recorde de 186 bilhões de dólares no último ano.
Paralelamente, as exportações da Turquia para o país aumentaram 61,8% (em 9,34 bilhões de dólares) e as do Cazaquistão subiram 25,1% (em 8,78 bilhões de dólares).
Rotas informais de abastecimento poderiam levar a bens de pior qualidade entrando na Rússia, à medida que fiscalização fica mais frouxa, diz Ben Tzion.
Réplicas
Algumas marcas enfrentam anos de batalha contra cópias e importações não autorizadas. Enquanto isso, rivais russos da Coca-Cola aumentaram a capacidade de produção, lançando novas bebidas de cola.
A gigante sueca IKEA, quando parou sua produção na Rússia, vendeu seu estoque para a Yandex Market, divisão de e-commerce da empresa tecnológica Yandex.
A dona da IKEA, Inter IKEA Group, diz ter vendido o estoque restante por um valor não revelado para a Yandex, enquanto reduzia sua produção na Rússia.
A Yandex Market disse que colocou fornecedores que anteriormente vendiam bens por meio de lojas da IKEA em contato direto com clientes.
Mas fornecedores antigos também estão prontos para vender itens da IKEA levemente modificados, sob nomes diferentes.
Um desses fornecedores já anunciou um conjunto de cama chamado “ARUA”, em analogia ao BERGPALM da IKEA.
A IKEA disse estar investigando bens sendo vendidos online como similares aos seus.
Mesmo que novas oportunidades estejam sendo abertas para empresas russas, a fixação com marcas ocidentais pode frustrar os esforços para potencializar a produção local.
“Com o tempo, as forças do mercado continuarão a direcionar os produtos que os russos estão acostumados ao mercado e, embora haja uma aspiração a transformar em ‘Made in Russia’, será difícil realmente deixar as pessoas viciadas na Coca russa”, diz Ben Tzion.
(Reuters)