Ao fazer uma curva, um navio demora certo tempo até que consiga mudar sua trajetória. O impacto das medidas no mercado financeiro, como elevação de juros, e consequente ajuste da inflação, acontece da mesma maneira.
Oito meses, geralmente, é o tempo necessário para que o efeito dessas mudanças comece a ser sentido na economia de um país. No caso dos Estados Unidos, entretanto, o cenário é um pouco mais complexo, de acordo com Marco Ferrini, analista de macroeconomia da Benndorf Research.
Ele explica que o país enfrenta um cenário bastante desafiador desde o final do ano passado, pois, mesmo subindo os juros em velocidade recorde, ainda assim a atividade econômica segue forte.
“Nesse caso em especial, em que não temos indicadores claros de desaceleração, acredito que pelo menos um ano de dados seria necessário para podermos afirmar com um grau de certeza mais elevado que o país passa por uma perda de ritmo”, afirma o analista.
A economia está demorando a desacelerar porque, durante a Covid-19, os agentes de mercados dos EUA adotaram a mesma medida de 2008, pois pensavam, equivocadamente, que a pandemia causaria desemprego generalizado no país, segundo Renato Nobile, gestor e analista da Buena Vista Capital.
Ele explica que o Federal Reserve (Fed) esqueceu de incluir o componente de tecnologia no mercado de trabalho, injetando muito dinheiro na economia, o que gerou excesso de liquidez na mão das pessoas, elevando fortemente a inflação.
“O emprego está muito quente por lá, com a taxa de desemprego agora na casa de 3,7%, o que é praticamente pleno emprego” explica Nobile. “Isso acontece porque o sistema de emprego mudou bastante”, acrescenta.
Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, explica que, justamente por isso, o mercado tem olhado mais para o payroll – dado que mede quantas pessoas estão empregadas e recebem salário nos Estados Unidos, excluindo o setor primário.
Ele destaca que de todos os segmentos da economia, do mercado imobiliário ao varejo, este foi o único que não desacelerou por “motivos muito curiosos e muito inéditos”.
“O mercado de trabalho ainda é o vilão de todos os segmentos, pois não desacelerou e ainda não está na zona de equilíbrio”, diz.
Saadia frisa que tiveram outros momentos da história em que o Fed subiu a taxa de juros e o mercado de trabalho foi o primeiro a desacelerar, enquanto o de consumo foi o último. Sendo assim, com “tudo trocado”, o efeito que a alta da taxa de juros faz na economia não é previsível, às vezes até quebrando alguns setores da economia enquanto outros estão saudáveis ou até acelerando.
Atualmente, o mercado de trabalho ainda está muito aquecido, enquanto outros setores já estão praticamente no nível de crise, o que o diretor define como “bizarro”.
“É por isso que quando sai um payroll desse, mesmo que tenha vindo relativamente dentro do esperado, só de não ter tido nenhum susto, o mercado já fica relativamente bem tranquilo”, conclui.