As ações da Netflix [NFLX] caem cerca de 9% em Nova York nesta sexta-feira (19), em reação ao balanço trimestral da companhia, divulgado após o pregão da véspera. Não é que os números tenham sido ruins. A questão é o anúncio de uma mudança nas divulgações futuras de dados, que decepcionou Wall Street.
A Netflix vai parar de divulgar trimestralmente o número de novas assinaturas, e o mercado “torceu muito o nariz” para a notícia, nas palavras de Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos. Logo após a divulgação do relatório, as ações caíram quase 5% no after hours do pregão americano.
“Suspeitamos que a redução da divulgação pode decepcionar [Wall] Street”, observou Jason Bazinet, do Citigroup, após os resultados. Dito e feito.
Quantidade não é qualidade
A justificativa para a mudança é que “muitas vezes o número de assinaturas não conta toda a história”, explicou Beto. Quase 270 milhões de domicílios em mais de 190 países agora assinam a Netflix, disse a companhia no relatório. Considerando a média de mais de dois moradores por domicílio, a audiência é de mais de meio bilhão de pessoas.
Por conta disso, o foco da gigante do streaming não é mais aumentar o número de assinaturas, mas intensificar o engajamento. As métricas agora vão focar no número de vezes que os programas foram assistidos, o tempo de tela dos usuários e outros fatores.
A Netflix expressou animação para a “aguardada luta de boxe ao vivo entre Jake Paul e o ex-campeão peso-pesado Mike Tyson, que acreditamos que se tornará um evento imperdível” no meio do ano, pleno verão americano.
A Netflix vem tentando fazer o mercado se concentrar menos no crescimento de assinantes já há algum tempo, apontou o The Wall Street Journal. “É um número extremamente imprevisível, que até a empresa tem lutado para prever bem.” Já no final de 2022, ela anunciou que deixaria de fornecer projeções trimestrais de assinantes.
Muitos investidores, entretanto, classificaram a política de não divulgação dos números como falta de transparência. “O mercado falou ‘poxa, tudo bem que a Netflix não trabalha com isso, mas por que não divulgar também, deixa que eu faça o meu julgamento’”, ilustra Beto Saadia.
A variação do número de assinantes não deve ficar eternamente oculta. Talvez apareça no relatório anual, chutou o especialista da Nomos.
E o balanço?
O lucro operacional da Netflix cresceu 54% no primeiro trimestre ante o mesmo período em 2023, e a receita subiu 15% na mesma comparação. Para o ano fiscal de 2024, a projeção é de crescimento da receita entre 13% e 15%. “Balanço muito bom, com crescimento de qualidades em praticamente todas as linhas”, definiu Beto.
Houve sucesso inclusive quanto às propagandas e o fim do compartilhamento de senhas. “O balanço não deixa dúvidas de que a estratégia da Netflix de localizar a produção de conteúdo – bem como a repressão às senhas – está resultando de forma expressiva tanto nas margens quanto no crescimento de assinantes”, avalia Thomas Monteiro, estrategista-chefe do Investing.com.
Por outro lado, ele vê a queda de hoje no preço das ações como um severo aviso para as empresas que vão divulgar balanços nessa temporada. “Diante do pano de fundo de taxas de juros mais altas por mais tempo, pode não ser suficiente apresentar um sólido desempenho no primeiro trimestre”, pondera.
As empresas precisam urgentemente convencer os investidores de que suas margens e fluxos de caixa podem resistir à tempestade de um 2º trimestre mais difícil. Ainda assim, a recuperação da Netflix, que começou em 2022, certamente atingiu um ponto sólido e deve continuar levando a um crescimento estável no futuro, afirma Thomas.
A fidelidade do público é peça-chave na estratégia da Netflix. “Essa combinação difícil de replicar entre nosso alcance, recomendações e fanatismo permite à Netflix impulsionar histórias na cultura de maneiras que poucos podem igualar.”
A competição com Disney+, Star+, Hulu, Paramount+ e HBO Max faz o crescimento da Netflix encolher ante o visto no passado. Dessa forma, completou Renato, “a gente acredita que há teses melhores pra se estar investido”. Ele cita os segmentos de inteligência artificial, blockchain, e o setor de cloud.
Para o estrategista do Investing.com, entretanto, “os acionistas da Netflix não devem reagir precipitadamente à reação atual do mercado, pois ela é certamente mais macroeconômica em sua natureza do que interna à empresa”.
Possíveis trades
Na B3, o BDR da Netflix [NFLX34] também tem um dia negativo, com cerca de 6,5% de baixa no meio da tarde. O ativo vinha de uma “excelente alta”, diz o analista técnico Filipe Borges. Após atingir fundo na região dos R$ 34,70, o papel traçou alta até os R$ 66, traduzindo valorização em torno de 87%.
“Um bom ponto agora para se observar novas entradas [de compra] em Netflix seria na região dos R$47,90 a R$ 46,00”, diz o analista. Tal patamar equivale a uma região de retração de 50% de todo o movimento de alta visto até aqui.