A indústria de Taiwan domina a produção de chips que alimentam quase todas as tecnologias civis e militares avançadas, deixando as economias dos Estados Unidos e da China extremamente dependentes da ilha, responsável por 92% da fabricação de todo o mundo.
Em um cenário de tensão entre China e EUA, Taiwan conseguiu a principal peça para sua proteção: o apoio americano. Durante a disputa tecnológica entre as superpotências, seria desesperador para os EUA ver essa alta tecnologia nas mãos chinesas, enquanto Pequim teme invadir a ilha e sofrer sanções sobre a cadeia produtiva de chips.
Inicialmente, Taiwan protegeu a joia da coroa. No final da década de 1990, o então presidente Lee Teng-hui impôs restrições às empresas de alta tecnologia da ilha que faziam negócios na China, para garantir que não transferissem sua preciosidade para o exterior. As restrições foram relaxadas, mas a a gigante Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), principal fábrica de chips do mundo, e seus pares continuam impedidos de construir suas fundições mais avançadas na China.
“Olhando para trás agora, a cadeia de suprimentos da indústria poderia ter sido totalmente transferida para lá”, disse Chen, ex-ministro de tecnologia de Taiwan.
Sob o governo de Xi Jinping, a China estabeleceu uma meta de autossuficiência na fabricação de chips avançados – o que alguns chamaram de “grande salto adiante de semicondutores”, em referência ao “grande salto adiante” de Mao Tsé-Tung, uma campanha entre 1958 e 1960 que pretendia tornar a República Popular da China em uma nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde.
As restrições de Taiwan não são o único obstáculo à visão de Xi. Também estão em jogo dois outros fatores: um esforço liderado pelos EUA para limitar as transferências de tecnologia para a China e a enorme complexidade de fabricar semicondutores avançados.
Os Estados Unidos e seus aliados impuseram há décadas barreiras de tecnologia de chips à China, principalmente destinadas a conter o desenvolvimento de armamento avançado no país. Os Estados Unidos mantêm uma lista de tecnologias de chips específicas, que requer uma licença para exportação, e restringe as exportações de tecnologia para o principal fabricante de chips da China, o Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC).
Os controles no SMIC são feitos sob medida para bloquear itens necessários para produzir chips avançados de 10 nanômetros para baixo. Até agora, a China produz principalmente chips de baixo custo para eletrônicos de consumo.
Uma ferramenta-chave nesta estratégia de contenção é o Acordo Wassenaar, um pacto voluntário entre 42 nações para conter a disseminação da tecnologia de “uso duplo”, com aplicações tanto comerciais quanto militares. Sob Wassenaar, Washington e seus aliados harmonizaram os controles sobre o fluxo de tecnologia de chips para a China.
A restrição mais significativa está em equipamentos que usam feixes de luz ultravioleta extrema (EUV). Essa luz é gerada por lasers e focalizada por espelhos para estabelecer circuitos ultrafinos em pastilhas de silício, e está na vanguarda da fabricação de semicondutores. Ela permite que os fabricantes de chips construam microprocessadores e chips de memória mais rápidos e poderosos.
De acordo com Kevin Wolf, ex-secretário assistente de comércio no governo Obama, as restrições do EUV visam bloquear o esforço da China para produzir chips de 5 nanômetros ou semicondutores ainda mais avançados.
Para os planejadores econômicos da China, a independência na produção de semicondutores é uma prioridade. O objetivo é o chamado “circuito fechado”, dizem analistas, com empresas nacionais responsáveis por todo o setor: matérias-primas, pesquisa, design de chips, fabricação e embalagem.
Este é um grande desafio para qualquer economia, porque a cadeia de suprimentos global existente para chips é muito complexa – envolvendo centenas de materiais e produtos químicos, mais de 50 tipos de equipamentos high tech e milhares de fornecedores na Europa, América do Norte e Ásia.
Uma análise do governo Biden sobre a vulnerabilidade da cadeia de suprimentos dos EUA informou em junho que Pequim estava direcionando US$ 100 bilhões em subsídios para sua indústria de chips, incluindo o desenvolvimento de 60 novas fábricas. No entanto, alguns desses projetos geraram enormes perdas, com uma onda de falências, inadimplência e projetos abandonados.
Mesmo que a China conseguisse adquirir tecnologia estrangeira e direcionar dinheiro para projetos mais bem executados, não há garantia de que o país teria sucesso em chips avançados, dizem veteranos da indústria de semicondutores dos EUA, Japão, Holanda e Taiwan, pois ela está entre os processos de fabricação mais complexos já criados, durando de três a quatro meses. Além de exigir mais de mil processos e ser feito em um ambiente intocado, com equipamentos de precisão que manipulam partículas em níveis subatômicos.
A China também enfrenta uma lacuna de talentos. O país recrutou engenheiros e técnicos de Taiwan, Coreia do Sul e América, mas esses esforços ainda não forneceram grandes avanços. Empresas como a TSMC têm enormes equipes de especialistas para uma vasta gama de processos. A caça de especialistas individuais só pode gerar ganhos em nichos específicos, dizem os executivos do setor.
Esses profissionais de elite são o ativo mais importante da indústria de chips de Taiwan, afirmou o capitão aposentado da marinha Chang Ching, pesquisador da Sociedade de Estudos Estratégicos de Taipei. “Se invadir Taiwan, o exército comunista fará o possível para proteger o pessoal que trabalha no setor de tecnologia”, complementou.
(Com Reuters)