É rotina para o investidor brasileiro, ao avaliar as empresas em que deseja aplicar seu dinheiro, procurar aquelas que são boas pagadoras de dividendos. Isso não é exclusividade dos brasileiros, é claro. Warren Buffet, americano referência em investimentos, também se aproveita do mecanismo.
Entretanto, os proventos não são recorrentes para o mercado americano. Em terras brasileiras, segundo a Lei n° 6.404 de Sociedades por Ações, é obrigatório que as empresas de capital aberto distribuam dividendos. Já nos EUA, isso não é imposto, tanto que grandes companhias do país, como a Amazon e a Meta, não pagam dividendos.
Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, explica que distribuir proventos nos Estados Unidos acaba sendo mais custoso, já que é cobrado um imposto em cima do valor, enquanto no Brasil o dividendo é isento de tributação.
“Nos Estados Unidos, manter o dinheiro em caixa dentro da empresa sem fazer essa distribuição é tributariamente mais favorável.”
O especialista indica que, além disso, a visão dos americanos para dividendos é atravessada pela cultura corporativa do país, especialmente em relação a alguns setores específicos com muita representação no S&P 500.
Nos EUA, segmentos como o de tecnologia e saúde, os quais precisam investir bastante capital em seu crescimento, geralmente não distribuem proventos com frequência – ou talvez nunca tenham distribuído.
O estrategista da Nomos, Rodrigo Correa, ressalta que, caso a empresa americana encontre projetos atrativos economicamente em relação ao seu planejamento, é mais vantajoso reter o capital internamente a fim de investir nestes empreendimentos.
“Por exemplo, é isso que fazem as empresas de tecnologia. […] Lá no Vale do Silício, você vê inúmeras empresas, muitas delas bem grandes como […] o antigo Facebook hoje Meta, a Amazon, […] o Google”, citou.
Para Beto, a empresa é quem melhor entende suas necessidades e quais projetos seriam vantajosos ou não para o momento da instituição.
“A empresa, já que ela atua naquele segmento […] e já que ela é uma empresa de referência – pelo menos assim o investidor acha, se não, não investiria nessa ação – nada melhor do que a própria empresa para escolher melhor [o empreendimento] e aí sim, poder investir esse dinheiro e poder lucrar ainda mais.”
Rodrigo acredita que é neste ponto que reside a vantagem oferecida por empresas não distribuidoras de lucros. Afinal, elas podem atrair investidores a partir da demonstração de capacidade de investir em projetos de crescimento que gerem lucro, os quais possam entregar um retorno acima de seu custo de capital.
Além disso, Beto acrescenta que a ideia de valorização dos papéis da empresa a partir de seu crescimento também costuma seduzir os investidores. “O objetivo de uma empresa que não pague dividendo é que pelo menos ela dê como contrapartida uma valorização das suas ações”, completou.
O especialista cita como exemplo a Apple e a Amazon, as quais não distribuíram proventos por grande parte de sua história, mas ofereceram grande retorno a seus acionistas a partir de um aumento significativo no preço de seus ativos.
Então toda empresa americana odeia dividendos?
Rodrigo sinaliza que não é bem assim. Companhias americanas mais estáveis, como as dos setores de elétrica e comunicação, por não encontrarem tanto espaço para investimentos em projetos dentro de sua área – uma vez que já estabeleceram sua porção do mercado –, optam por distribuir aos acionistas parte de sua geração de caixa, disse o analista.
A gigante de tecnologia e já estabilizada Apple, por exemplo, apesar de vir do segmento tech, passou a pagar dividendos em 2012.
O mundo é uma escola
Dentro das diferentes dinâmicas de compensação ao investidor, é possível que o brasileiro – costumeiramente amante de dividendos – aprenda com o americano – não tão ligado assim – e vice-versa.
Beto frisa que o Brasil pode adotar a resiliência de longo prazo que os americanos possuem. “A necessidade de dividendo […] é muito ‘curto prazista’, né? Do investidor querer sempre antecipar eventualmente algum investimento que na verdade deveria ser por longo [prazo].”
Para o especialista, é preciso também que o Brasil tribute o dividendos. Segundo ele, a tributação destes proventos leva a um aumento na taxa de investimentos das empresas, uma vez que a companhia acaba aplicando mais capital, contratando mais e ficando mais competitiva do ponto de vista global.
Rodrigo entende que os brasileiros podem aprender com os americanos a procurar empresas com crescimento mais robusto e com oportunidades melhores do que receber de volta o capital em formato de dividendos.
Já o americano, para o estrategista, pode desenvolver com o investidor brasileiro a habilidade de buscar companhias mais robustas na geração de caixa e mais estáveis em cenários em que haja a falta de oportunidades de crescimento.