Após dois anos sem uma única abertura de capital, investidores veem o relaxamento monetário do Copom ainda com lembranças negativas do último ciclo de IPOs
O novo ano está às portas. A entrada em 2024 com o Ibovespa no histórico patamar de 134 mil pontos e a taxa de juros em pleno ciclo de afrouxamento tornam inevitável o burburinho sobre o fim da seca de IPOs.
A última oferta pública inicial da B3 foi em dezembro de 2021, ano com o maior número de aberturas de capital da bolsa brasileira desde 2007, com 46 listagens no total. O número contrasta com o outro recorde do ano seguinte: 2022 não teve nenhuma nova listagem de empresas pela primeira vez desde 1998.
A escassez seguiu por 2023, mas a expectativa generalizada é de retorno dos IPOs em breve. “Sabemos que várias empresas já estão se preparando para esse momento”, conta Carlos Daltozo, head de equities da Eleven Financial. A casa de research espera ver novas listagens no final do primeiro trimestre de 2024.
“Isso obviamente ‘machucou’ muito os investidores, que devem estar muito seletivos nesse primeiro momento”, explica o especialista, destacando que a cautela não mina o apetite do mercado por boas teses de crescimento para investir.
Os atuais rendimentos da renda fixa livre de risco também tornam os investidores mais exigentes quanto aos retornos projetados para as teses de investimento das empresas que se propõem a abrir o capital, acrescenta Luis Novaes, analista da Terra Investimentos.
Na visão dele, o ambiente para novos IPOs tem melhorado gradativamente, mas ainda é difícil quantificar quando será a retomada das ofertas públicas iniciais de ações.
A discussão está começando a ser levantada pelos principais bancos de investimento e pelos principais players do mercado, “só que o pessoal ainda está observando, principalmente essa questão do ritmo da queda de juros aqui no Brasil”. Uma taxa de juros na casa dos 10% seria mais favorável para o mercado, pondera Nobile.
A Selic da questão
Qualquer movimento do mercado financeiro precisa ser analisado pela ótica dos juros. Apesar dos cortes recentes na taxa básica, esta ainda se encontra em um patamar elevado, diz Luis Novaes, concluindo que o número de ofertas de ações deve ser limitado ao longo de 2024.
O aperto monetário do Banco Central no pós-pandemia criou uma escassez de crédito generalizada – agravada pelas crises na Americanas [AMER3] e Light [LIGT3]. A dificuldade levou muitas empresas a buscarem o mercado de capitais como alternativa ao crédito bancário.
Foram 24 follow-ons em 2023, sem contar a potencial oferta pública do Grupo Pão de Açúcar [PCAR3]. As razões variaram. Além de driblar o mercado de crédito pura e simplesmente, muitas companhias aumentaram capital a fim de abaixar o próprio endividamento.
A redução da taxa básica de juros ajuda na maior tomada de risco, concorda Renato Nobile, mas algumas distorções no mercado brasileiro ainda embaçam o cenário. A começar pela taxa de juro real, ainda elevada, favorecendo investimentos mais conservadores, “mais rentista e em renda fixa”.
Segundo, o Brasil “ainda tem algumas aberrações no quesito de incentivos fiscais, principalmente para produtos de renda fixa”. Os instrumentos são praticamente incentivo para o investidor não tomar riscos, prossegue o gestor da Buena Vista.
A asset projeta um juro terminal de 9% ano ano. Indo por esse caminho, “com certeza a gente vai ver uma tomada maior de risco e consequentemente um maior número de IPOs”.
Claro, o macro também conta. Mesmo diante da Selic elevada, diz Novaes, uma perspectiva positiva para o longo prazo – de juros menores e quadro fiscal controlado – poderia deixar o mercado menos exigente quanto ao retorno de seus respectivos investimentos.
“Desta forma, a demanda se tornaria maior, permitindo um número também maior de ofertas realizadas pelas empresas.”