Esse é o assunto do momento: o que vai acontecer com a Americanas e como isso afeta os investidores? Em primeiro lugar, tentaremos qualificar os prováveis impactos em três níveis: (a) da empresa e seus interessados, (b) dos detentores das ações (acionistas), e (c) dos detentores das dívidas (credores, debenturistas).
Cabe frisar que todas as estimativas abaixo são baseadas nas pouquíssimas informações públicas disponíveis. Esse texto tem objetivo meramente didático, para que o investidor entenda o “caso Americanas”. Logo, esse texto não deve ser encarado como sugestão para qualquer tomada de decisão de investimentos. Caso queira suporte na tomada de decisão em relação a investimentos, procure seu assessor financeiro.
Primeiro, em relação à empresa, ninguém tem bola de cristal, mas empresas que passam por processos como o que a Americanas está passando tendem a precisar de recuperação judicial (RJ, para os íntimos). O processo de RJ é feito para tentar ao máximo preservar a viabilidade da empresa, para que ela continue a ter um impacto positivo na sociedade.
Sem esse tipo de mecanismo, uma empresa que passe por uma “inconsistência contábil” – já sendo chamada de fraude pelo Banco BTG, por exemplo – poderia, no limite, falir, e todos os interessados (ou stakeholders) sairiam perdendo.
Funcionários perderiam seus empregos, credores – os provedores de capital na forma de dívidas, i.e. bancos e investidores via mercados de capitais – perderiam boa parte dos valores emprestados e, por último, os acionistas da empresa seriam eliminados, pois o valor de suas ações tenderia a zero.
Caso a empresa sobrevivesse, os novos acionistas poderiam ser os detentores de dívida, que teriam (ao menos parte de) suas dívidas transformadas em ações. E os clientes deixariam de ter a opção de comprar de tal empresa, que deixaria de existir.
Assim, a RJ tem como objetivo final manter a empresa funcionando, preservando ao máximo todos os interessados nela. Sem a RJ, a busca dos credores profissionais (i.e. bancos) pelos ativos da empresa aceleraria o processo de falência. Assim, a RJ existe justamente para manter a capacidade da empresa continuar operando.
Os credores são impedidos de tomarem os ativos para si, e de forma ordenada, um plano de recuperação é proposto para que a nova empresa, com menos custos e maior viabilidade operacional, possa emergir do processo.
Esse plano naturalmente tem que ser discutido com todos esses stakeholders e assim, de comum acordo, se tentar chegar em um mínimo existência para a nova empresa, que, caso seja possível, continua a existir após esse processo. Acredito que a empresa é competitiva e viável e, após uma eventual RJ, continuará a existir.
Segundo, em relação às ações, temos, por exemplo, o recente caso da Lupatech [LUPA3], que podemos usar como uma possível referência para tentar imaginar (e não saber ao certo) o que ocorrerá com a Americanas. A Lupatech acabou de sair de RJ, na qual estava desde 2015.
A Lupatech entrou em RJ porque sua principal cliente – a Petrobras, responsável por mais de 90% de suas receitas – ter sofrido uma fraude monstruosa pelo então governo, exposta pela Lava-Jato. Veja o impacto dessa realidade nas ações da LUPA3:
Quando entrou em RJ, o valor das ações da Lupatech foi praticamente a zero (ficou negociando a centavos). Pode-se esperar algo parecido das ações das Americanas, caso se confirme a necessidade de RJ devido aos R$ 40 bilhões de dívida que a empresa tem e não se sabia (foi tornado público nesses últimos dias, após o escândalo vir a público).
Processos de RJ tendem, por sua natureza, a fazer com que o valor do equity original da empresa tenda a zero, como ilustrado no caso da Lupatech.
Terceiro, em relação aos títulos de dívida, a questão é mais complicada de se estimar. Isso porque, em RJ, o resumo do processo é avaliar qual o tamanho do passivo e do ativo da empresa e, na sequência, adequar a empresa futura que pode sair da RJ a operar com um nível de passivo compatível com seus ativos.
Assim, o passivo excedente, ou, em outras palavras, o excedente das dívidas em relação aos ativos da empresa seria cortado (haircut das dívidas), e esse é o tamanho do impacto que os credores sofreriam de perda como um todo.
Naturalmente, nesse processo, por questões jurídicas que não cabem aqui serem explicadas, existe a preferência entre credores, e nem todos receberão na mesma ordem e com a mesma preferência.
Imaginemos, a puro título de exemplo e de forma didática, que durante a RJ descubra-se que os ativos valham 80% dos passivos. Então os passivos serão cortados em 20%, mas isso não significa que todos os credores perderão 20%. Na média, entre todos eles, esse será o número, mas terão aqueles credores que terão um valor maior que 80% de sua dívida e outros, um número menor. Isso decorre da preferência entre os credores.
As saídas para a empresa (no processo de RJ) passarão por uma combinação de diversos dos seguintes passos: (i) aporte dos controladores (Grupo 3G); (ii) aumento de capital (dos demais acionistas) em bolsa; (iii) haircut de dívidas (volumes e taxas); (iv) eventual aquisição da empresa por grupo externo (i.e. Amazon, Mercado Livre, grupo de varejo chinês, ou algum player varejista bem capitalizado) interessado no mercado brasileiro.
No cenário mais negativo, a saída final seria a falência, caso não se consiga sucesso no processo de RJ – não consideramos a falência algo provável.
Para entender as ferramentas de resolução da situação, basta lembrar do básico. A Americanas é hoje uma empresa que tem mais dívida do que inicialmente sabido. Não se tem ainda publicamente a magnitude desse fato, mas, no limite, pode ser uma empresa que no atual estado tenha mais passivo que ativos, e, como resultado, tenha uma patrimônio líquido negativo.
Então, a solução visando a continuidade da empresa passa por injetar mais recursos nela. E isso pode ser feito de várias maneiras. Por exemplo, um aporte dos controladores (item i), seguido ou não dos demais acionistas (item ii) que por lei tem como direito acompanhar se quiserem esse aumento de capital.
Outra parte da solução é que os detentores de dívida eventualmente precisarão aceitar um corte no volume e nas taxas de seus empréstimos originais (item iii) para reduzir o peso de dívida sobre a nova empresa a sobreviver a uma RJ.
Essas 3 soluções usam os provedores atuais de capital para a empresa, mas um provedor externo nunca pode ser descartado. Então, a venda da empresa para um outro grupo é sempre uma opção (item iv). Essa venda pode ser parcial – venda de um (ou mais) negócio(s) específico(s) (i.e. Natural da Terra) – ou do grupo inteiro.
No caso presente, creio numa composição de todos as ferramentas anteriores para a solução do problema. Por fim, se nesse balé de alternativas os investidores chegarem coletivamente à conclusão de que não vale a pena injetar mais dinheiro nesse empreendimento, teríamos a falência (item v) e a empresa deixaria de existir (ao menos na forma atual, porque seus ativos ainda podem ser vendidos em partes).
Novamente, os efeitos e valores aqui estimados são meros exercícios de futurologia e não devem ser utilizados como referência para qualquer tomada de decisão em relação a investimentos porque são baseadas em poucas e incertas informações até o momento.
Depois que o leite derramou, pouco há que se fazer. Falo do ponto de vista dos investidores, seja nas ações, seja nas dívidas. O remédio (amargo) é vender a mercado, se e quando houver mercado. De maneira preventiva, a única forma de se proteger no futuro de um outro evento semelhante é trabalhar bem seu portfólio e manter a exposição de seus investimentos em tamanhos pequenos. De outra forma, diversifique bem suas posições para que nenhuma posição seja tão grande que, se falhar, a queda não venha a ser muito grande.
A ver cenas dos próximos capítulos…