Depois de uma eleição tão apertada em 2022, era esperado que o primeiro ano do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva dividisse opiniões. Com alguns otimistas com o presente e outros pessimistas com o futuro, o fato é: diversas mudanças foram implementadas, especialmente em vista da diferença ideológica entre o antigo governo de Jair Bolsonaro e o atual governo Lula.
“O panorama é positivo”, disse Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, em referência ao cenário econômico do primeiro ano do Governo Lula III. “Esse foi um ano de muitas mudanças, principalmente vindas do Congresso.”
O especialista cita as diversas pautas aprovadas neste ano – como o arcabouço fiscal e a reforma tributária –, além de destacar o papel da inflação americana, a qual “entrou no eixo” e mantém um fluxo de capital estrangeiro para países emergentes, como o Brasil.
Homero Guizzo, economista da Terra Investimentos, projeta forte crescimento da economia brasileira em 2023, em torno de 3,0%. De fato, a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de avanço de 3,1% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil neste ano – 1 ponto percentual maior do que a avaliação feita pelo órgão em julho.
Esta estimativa põe o Brasil em nono lugar entre as economias do mundo, ultrapassando o Canadá. De acordo com o relatório do FMI, o crescimento é impulsionado pelo dinamismo da agricultura e pela resiliência dos serviços no primeiro semestre.
Renato Nobile, gestor e analista da Buena Vista Capital, aponta alguns fatores que contribuíram para as perspectivas otimistas para o crescimento do Brasil durante todo o ano. A queda do dólar e o desempenho do agro são dois aspectos essenciais para o especialista.
Para Guizzo, um dos principais determinantes deste bom desempenho é a política fiscal expansionista – movimento que, segundo ele, iniciou em 2022 e foi seguido em 2023.
No entanto, o especialista alerta que os efeitos do aperto monetário promovido pelo Banco Central (Bacen), iniciado em 2021 e que se estendeu até 2022, já começam a ser sentidos no segundo semestre deste ano.
“Os efeitos defasados da alta do juro continuarão 2024 adentro e devem inclusive conter o crescimento do PIB em 2025, antes de uma normalização em 2026.”
O economista projeta um avanço de 1,2% no PIB brasileiro em 2024 – 0,3 p.p. abaixo da previsão do FMI, em 1,5%, e ambas menores que a estimativa de 2,2% de crescimento feita pelo Ministério da Fazenda.
Em 2025, Guizzo vê um crescimento de 1,5% para o PIB e de 1,8% em 2026.
O ano do arcabouço
Um dos pontos centrais da política econômica de Lula e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no primeiro semestre deste ano era implementar o arcabouço fiscal.
“O arcabouço fiscal é quase que obrigatório para o Brasil”, indicou Saadia. O especialista também evoca a necessidade de uma regra de gastos para qualquer país emergente.
Nobile afirma que é “melhor com o arcabouço do que sem”, porém indica que, em sua visão, a medida não traz um compromisso forte do governo com uma política fiscal saudável.
“Se você parar para ver, na essência, ele [o arcabouço] não tem o chamado enforcement. Ele não [traz] uma obrigação por parte do governo.”
Guizzo segue o mesmo ponto de vista, sinalizando que a medida é permissiva “demais para impedir que a dívida pública siga subindo até mais de 90% do PIB”.
A nova regra fiscal do governo serviu para substituir o antigo teto de gastos, medida implementada em 2016 na gestão do ex-presidente Michel Temer. De acordo com Saadia, o teto de gastos, em vigor até a concretização do arcabouço, foi rompido diversas vezes nos últimos três anos durante e após o fim da pandemia.
Pesquisa feita em 2022 pelo economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), mostra que os gastos do governo Bolsonaro acima do teto de gastos somaram R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022.
O valor divulgado pelo levantamento – feito a pedido da BBC News Brasil – representa o total de autorizações que a gestão de Bolsonaro obteve no Congresso para gastar acima do limite constitucional, além de outras manobras que contornaram o teto.
No final do ano passado, o Congresso promulgou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que liberava ao governo atual R$ 168,9 bilhões para serem gastos acima do que o teto de gastos permitia.
Reforma tributária
Outra pauta crucial para o início do terceiro mandato de Lula foi a reforma tributária, proposta pelo Ministério da Fazenda.
A proposta – promulgada pelo Congresso na quarta-feira (20) – cria um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, composto por dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
O CBS substitui o PIS, Cofins e IPI, enquanto o IBS surge no lugar do ICMS e o ISS.
Nobile explica que a simplificação do sistema tributário pode trazer benefícios para o Brasil, mas é uma medida de longo prazo e que não deve ter impacto imediato para o país. “Como já é realmente um caos tributário no Brasil, o fator da simplificação pode trazer um benefício sim no longo prazo”, opinou.
Para Saadia, a reforma aumenta a competitividade do país e coloca o Brasil como um bom ambiente de negócios, além de tratar de diversas “ineficiências tributárias”.
“O tempo para se declarar o imposto que as empresas têm, a insegurança jurídica”, enumera.
A reformulação deve funcionar como um “dever de casa” para o governo atual em relação à regulamentação de vários aspectos da proposta por intermédio de leis complementares a serem discutidas no próximo ano, indicou Guizzo.
Futuro
As visões para os próximos anos são mistas, assim como eram quando o governo Lula III iniciou.
“Eu não vejo o Brasil com muita notícia positiva, mas também não é que eu [seja] pessimista”, declarou Nobile. Para ele, os gastos do governo são um empecilho para se ter uma projeção totalmente otimista. Além disso, o analista critica a forma que a gestão atual lida com o fechamento de contas de gastos públicos.
“Ele [o governo] está fazendo muito mais para fechar a conta no sentido de arrecadação de impostos.” Nobile classifica o Brasil como um “país medíocre” em relação ao crescimento e atratividade e acredita que o desempenho econômico de 2023 não deve se estender para os próximos anos.
Já Saadia explica que o prognóstico para o próximo ano é positivo, especialmente diante da expectativa de continuidade do afrouxo monetário no Brasil.
“O novo ciclo de queda […] vai estimular diversos setores que são muito ligados ao ciclo de crédito. Por exemplo educação, mercado imobiliário, a indústria como um todo, […] o consumo”, afirmou.
O momento nos Estados Unidos também é ideal para uma perspectiva mais otimista, com a inflação do país controlada diante do aperto monetário promovido até julho deste ano pelo Federal Reserve (Fed).
Com os juros altos nos EUA, o investimento estrangeiro acabava se concentrando no país, indica Saadia. No entanto, com esses juros ficando menos atrativos, o fluxo passa a ir para outros lugares.
“Você estimula também os investimentos estrangeiros como um todo, investimentos globais [a vir] para países emergentes”, explica.
“E isso também inclui o Brasil.”