A segunda maior economia do mundo enfrentou problemas em 2023 e poderia usar um pouco da sorte em 2024, mas as dificuldades ainda não acabaram
O ano de 2024 é o ano do Dragão. Segundo o horóscopo chinês, a cada 12 anos, o animal místico associado a sorte, exuberância e boa fortuna vem sobrevoar o mundo. E tudo isso seria muito bem-vindo para a China no momento, após um ano de 2023 repleto de “pedras no sapato”.
No entanto, especialistas enxergam que os planetas e astrólogos podem estar errados.
O analista de macroeconomia da Benndorf Research, Marco Ferrini, projeta que o crescimento da economia do país em 2024 deve ser ainda menor que o de 2023. Na última divulgação, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês subiu 4,9% na comparação entre o terceiro trimestre do ano passado com o de 2022.
Isto deixaria o indicador bem próximo da meta do governo, de 5%, mas muito abaixo do que a China apresentava anteriormente. O economista da Terra Investimentos, Homero Guizzo, afirma que há uma explicação para esse crescimento: o fim das restrições relacionadas ao combate da Covid-19.
“Este melhor desempenho pode ser atribuído justamente ao fim das restrições do combate à Covid, cuja duração ainda era uma incógnita no quarto trimestre de 2022”, indicou.
“Sem essa questão pressionando empresários e famílias, planos de investimento e consumo engavetados pela pandemia puderam se concretizar e permitiram um crescimento mais forte em 2023.”
Este crescimento em 2023, diz Ferrini, conta com uma base de comparação fraca, uma vez que em 2022 o país estava fechado por conta do lockdown. Em contraponto, o analista indica que houve uma recuperação do consumo e da produção industrial no país, assim como a redução do desemprego.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou sua projeção de crescimento do PIB chinês de 5% para 5,4% em novembro. Além disso, o órgão também elevou a previsão para 2024 de 4,2% para 4,6%.
Para Ferrini, a revisão do FMI na reta final de 2023 se deve ao pacote de estímulo fiscal aprovado no final de outubro, além de indicar que, mesmo com a revisão para cima, o crescimento seguiria muito aquém do que já foi apresentado pela China em outros anos.
Por outro lado, o UBS indicou em relatório que a economia chinesa deve entrar em um “novo normal” traduzido em um crescimento econômico mais lento, porém de maior qualidade.
Apesar de elevar sua projeção, o FMI alertou para a continuidade da fraqueza no setor imobiliário e a demanda externa fraca – influenciada pelos juros altos e a consequente queda do consumo ao redor do mundo.
As exportações chinesas tiveram leve alta de 0,5% na leitura da balança comercial de novembro, mas recuaram consecutivamente nos seis meses anteriores.
Na própria balança comercial do Brasil, as importações brasileiras do país asiático recuaram 1,85% em dezembro em relação a novembro e acumulam queda de 12,42% de janeiro a dezembro do ano passado.
Já as exportações do Brasil para a China seguem em alta e tiveram um salto de 41,59% em dezembro ante novembro e um avanço de 16,5% no acumulado do ano passado.
Crise do sistema imobiliário
Um dos maiores – se não o maior – vilões da China em 2023 foi o setor imobiliário. Antes herói, impulsionando a economia chinesa durante os anos 2000, o setor impactou consideravelmente o crescimento do país neste ano, já que compõe cerca de um quarto do PIB chinês.
“A crise imobiliária chinesa reduz o investimento num setor desproporcionalmente grande da economia daquele país, desarruma os balanços patrimoniais das famílias e o mercado de crédito chinês como um todo”, sinaliza Guizzo.
Em 2021, a Evergrande, uma das maiores incorporadoras do país, começou a alertar os acionistas sobre a possibilidade de um default – ou seja, um calote – de suas dívidas que já se acumulavam na época.
No ano passado, a companhia entrou com um pedido de proteção contra falência, baseando-se no capítulo 15 da lei de falências dos Estados Unidos, feito para lidar com os processos de recuperação judicial originados em outros países.
Já em outubro, o Country Garden, outra empresa importante do setor, não cumpriu o prazo de carência para efetuar o pagamento atrasado de juros em relação a um título de dívida internacional. Isso acabou levantando ainda maiores preocupações sobre a saúde do setor imobiliário.
Para Guizzo, a crise imobiliária ainda não resolvida deve seguir assombrando a China em 2024 e deverá exigir a preservação do caráter expansionista das políticas fiscal e monetária no país.
Deflação
Num primeiro momento, pode ser que a deflação pareça algo positivo. Ela é caracterizada pela queda generalizada de preços – portanto, a população irá consumir mais, certo? No caso da China, não.
A deflação que o país vem lidando é resultado principalmente da demanda fraca interna e externamente, o que acaba aumentando a oferta de produtos, mas que não acabarão nas mãos do consumidor.
Maykon Douglas, economista da Highpar, explica que esta contínua deflação pode retardar as decisões de consumo e investimento, além de prolongar a contração da economia chinesa.
Nos últimos três meses divulgados – novembro, outubro e setembro – o índice de preços ao consumidor (CPI) da China apresentou contração em todos eles.
“Esse contexto de deflação é ainda mais delicado em um país com uma série de desafios estruturais e conjunturais.”
Entretanto, ele enxerga que os últimos estímulos fiscais no país “parecem ter sido suficientes” para trazer estabilidade para a economia da China, ressaltando também que o país deve atingir a meta de crescimento de 2023.
“Mas levará tempo – e mais estímulos – para o país se recuperar de fato.”