DISCLAIMER: o texto a seguir trata apenas da opinião do autor e não necessariamente reflete a opinião institucional da Nomos Investimentos ou do TradeNews.
Em pouco mais de um mês de governo, temos visto um fenômeno estranho: um democrata contra as instituições (democráticas). Creio que um democrata em posição de poder ser contra instituições é algo, no mínimo, perturbador.
Relembrando Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais”. A ironia na frase é seu ponto alto desqualificando as formas de autocracia existentes. Sabemos que a democracia tem seus defeitos, mas mesmo com eles, é a melhor forma de governo que já inventaram. E democracia pressupõe, no século XXI, duas coisas antes de todo o resto: (i) representação política e (ii) instituições que garantam o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito.
O objetivo desse texto é reafirmar a necessidade de construção, manutenção e proteção das instituições democráticas. Sem o fortalecimento dessas, abriremos o Estado aos arbítrios dos governantes. Os governantes, muito facilmente, se esquecem que são representantes temporários do poder do povo, como declara nossa Constituição – “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (CF Art.1º Parágrafo único).
Lula se reelegeu como um democrata. Esse foi o seu discurso político que colou com metade da população e deu lugar a um terceiro mandato.
Dado nosso foco em investimentos, trataremos apenas das instituições relacionadas ao mercado financeiro. Especificamente, sobre a Lei das Estatais, a autonomia do Banco Central do Brasil, o ativismo judicial vigente e, por fim, o ataque à privatização da Eletrobras.
A Lei das Estatais, lei 13.303/2016, surgiu após os escândalos do PT que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Após o uso não republicano dessas empresas, em eventos como o Petrolão, onde políticos, administradores e operadores usavam estatais para conseguir verbas ‘por fora’, superfaturando, desviando valores e outros malfeitos com os contratos, o poder legislativo reagiu e criou tal lei.
Em resumo, essa lei, entre outras questões, impede a colocação de agentes políticos, sindicalistas e outros que venham da esfera política (em vez de pessoas com a um currículo tecnicamente adequado) em cargos de liderança das estatais.
O objetivo é claro como o sol: garantir, tanto quanto possível, a boa gestão de nossas empresas públicas, livrando-as de influências políticas indevidas e nocivas. Assim, tal lei instituiu um nível de governança que não permitirá, enquanto ela existir nos moldes atuais, a pilhagem das estatais.
No apagar das luzes do governo Bolsonaro, a Câmara dos Deputados, em atitude sorrateira, aprovou projeto para alterar a Lei das Estatais, modificando regras que existem e foram lá colocadas para barrar malfeitos. E votaram tal projeto a toque de caixa. Graças a alguma força superior, o Senado parece demonstrar ter alguma consciência e promete dificultar a aprovação dessas alterações vitais.
Fato é que Lula está por detrás desse movimento de ataque às instituições, ao ser ele o beneficiado da indicação de nomes que a princípio seriam barrados pela lei.
Some-se a isso, a crescente influência do STF nas questões políticas brasileiras. Questões que deveriam ser definidas e determinadas por outros poderes, acabam sendo tomadas pelos 11 ministros. E pior, muitas vezes, são tomadas por apenas 1 ministro – as famosas decisões monocráticas. E não é que Gilmar Mendes acabou contribuindo para atacar as instituições democráticas nessa transição de poder?
Caros leitores, pergunto: como pode um só homem tomar uma decisão que invalide uma Emenda Constitucional, ou seja, um texto da Constituição (com poder acima das leis ordinárias)? Para se alterar a constituição é necessário um quórum altíssimo (3/5) em ambas as casas do Congresso Nacional em votação em dois turnos em cada casa.
Estamos falando de 513 deputados e 81 senadores. Quase 600 representantes, eleitos por todos nós, foram ignorados e um só homem decide alterar a interpretação do texto constitucional? Não causa espanto? Nesse caso, o ativismo foi grave e tomou o lugar de todo o Congresso Nacional. E qual a repercussão? Nenhuma! O Congresso aceitou passivamente tal canetada.
Se alterar a Constituição com uma canetada não é ataque as instituições democráticas, eu não sei mais o que é. Naturalmente, o resultado prático da medida foi liberar R$ 70 bi por ano para Lula em seu orçamento de 2023. De uma maneira muito simplificada, macroeconomicamente temos: mais gasto ➜ mais inflação ➜ mais juros, tudo o mais constante.
A novidade é a recente e renovada verborragia de Lula contra a independência do Banco Central. Estamos diante do primeiro governo que irá existir com a nova regra aprovada através da lei complementar 179/2021, que regula mandatos não coincidentes para a presidência e diretoria do Banco Central em relação ao mandato político do poder executivo nacional.
O presidente e dois diretores terão seus mandatos intercalados aos do Presidente da República (PR), começando no 3º ano do mandato. Os demais serão não sincronizados com o período do mandato de PR. Esse mecanismo visa manter uma autonomia e estabilidade da equipe, contra risco de exoneração por pressão política.
Muitos países de economia inegavelmente importante em nível global tem a autonomia garantida a seu banco central, entre eles – Estados Unidos, Zona do Euro, Japão, Reino Unido, México, Chile, Nova Zelândia, Suécia, Coréia do Sul, Rússia, Turquia e Israel – só para citar alguns. A independência do órgão máximo de controle do mercado bancário e financeiro é uma conquista civilizatória do Brasil. É literalmente um bastião democrático na área econômica e financeira contra barbeiragens políticas que impactam a vida do povo.
A motivação política de Lula é clara: ele teme a insatisfação popular em relação à economia. Agora, o governo tem que ser mais responsável com as contas que no passado. Uma aceleração artificial da economia, via esforços fiscais mal colocados, leia-se gastos governamentais além do recomendado, como foi o caso da política econômica petista de 2010 até a crise econômica gerada no governo Dilma, que resultou em cerca de 14 milhões de desempregados, não será facilmente tolerada.
Isso porque agora temos um xerife nesse mercado, o Banco Central (BaCen), independente legalmente. Por dois anos, o Bacen será o conduzido por ‘esse cidadão’ e seu time eleito no governo anterior.
O mundo em 2003 era completamente diferente do mundo de 2023. Em 2003, o mundo crescia e servia a uma China que havia acabado de entrar na OMC, estava em franca expansão (crescia ano após ano a 2 dígitos) e todos cresciam juntos com ela. O Brasil passou a ter na China um dos principais parceiros comerciais.
Já hoje, 2023, temos grandes blocos a beira da recessão (EUA e Europa) e/ou brigando com efeitos da pandemia (China) e o cenário externo não ajudará como em 2003. Talvez Lula receie que fique patente aos brasileiros que os bons resultados econômicos de seu primeiro governo não sejam quase em nada mérito de seu governo, mas apenas mero reflexo do mundo em que vivíamos.
Por fim, a recentíssima é a crítica à privatização da Eletrobras. Chamando a iniciativa de “leonina” e classificando-a de “contrária aos interesses dos brasileiros”, Lula ataca até claras iniciativas de fazer estatais mais bem geridas e serem menos sujeitas a manipulações políticas.
A Eletrobras, comparada com as demais elétricas, sempre teve menores margens, uma gestão menos eficiente. Cabide de empregos, ajuda aos correligionários e uso para loteamento político sempre foram mazelas que atacaram nossas estatais. A Eletrobras sofreu todas elas. Lula ignora o fato de que o processo da privatização da Eletrobras passou pelo Congresso Nacional (lei 14.182/2021) e seguiu todos os trâmites necessários para que acontecesse.
Além disso, como Lula ou o PT podem realmente estar interessados no bem-estar do povo na questão de energia elétrica se foram responsáveis por crescer a conta de luz dos brasileiros com a edição da MP 579, que desestruturou o setor elétrico, cria de Dilma Rousseff? Parece que Lula acordou, após viver congelado no tempo, e quer voltar a usar todas as iniciativas que já foram demonstradas contrárias ao real interesse da população. Ou uso não republicano de estatal é interesse do povo?
Um democrata atacando instituições? Pode isso Arnaldo? Ou seria um “democrata” atacando instituições?
Parece que, no Brasil de 2023, não só pode como potencialmente será a norma do novo governo. Caso tal afirmação seja constatada como verdadeira, para quem está preocupado com os investimentos, talvez a melhor resposta seja o refrão de uma canção de Jorge Ben Jor – “olha aí meu bem, prudência e dinheiro no bolso, canja de galinha não faz mal a ninguém”. Prudência é redução de riscos, que em investimentos significa renda fixa.
Talvez tenhamos a volta ao rentismo, não por falta de opções ao Brasil como país, mas por imposição política do atual governo. Só o tempo e o atual governo dirão.
Fica a pergunta, depois de quatro claros ataques a instituições, qual será o próximo?