A situação financeira da Via [VIIA3] pode ser muito pior do que os números informados pela empresa no último balanço trimestral. Em entrevista exclusiva para o TradeNews, um analista com posição vendida no papel relatou discrepâncias significativas entre os números divulgados e a realidade.
Analista de uma grande gestora brasileira de investimentos, que preferiu permanecer anônimo, explicou que o Ebitda – lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização – da Via foi apresentado como R$ 2,38 bilhões nos últimos 12 meses no resultado financeiro do primeiro trimestre da empresa.
Entretanto, ao adicionar o valor dos aluguéis pagos pela varejista (um custo significativo para empresas do setor), o especialista percebeu uma diferença de mais de R$ 1 bilhão entre os dados.
Além disso, ele afirma que a dívida líquida, registrada como R$ 1,5 bilhão na planilha divulgada pela empresa, chega a cerca de R$ 13,8 bilhões, o que levaria a companhia de uma alavancagem de 0,7 vezes para algo próximo de 11 vezes.
O especialista acredita que esta movimentação pode ser nociva para investidores de renda fixa e de renda variável, já que pode induzi-los a financiar as operações da companhia sem que ela tenha a capacidade de devolver o capital recebido.
“Eles estão induzindo o mercado ao erro e isso deveria ser rapidamente questionado pela CVM [Comissão de Valores Mobiliários].”
Outras empresas também utilizam métodos para “disfarçar” seus resultados, como o Pão de Açúcar [PCAR3], disse o analista. Além disso, ele menciona que a Americanas [AMER3] usava bastante destes procedimentos.
Como a “maquiagem” acontece
Ebitda
O analista explicou que, segundo o International Financial Reporting Standard (IFRS) – conjunto de normas contábeis internacional – 16 e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) – conjunto de normas contábeis nacional – 06, os aluguéis de imóveis seriam tratados como uma aquisição de ativo intangível.
Isto é, algo que a empresa possui, mas não é exatamente físico. Esse decreto fez com que o custo de aluguéis passasse a não contar para o valor do Ebitda, o que infla o valor do indicador e, consequentemente, melhora os múltiplos da companhia.
O especialista deixou claro que a prática não é ilegal, já que a norma foi imposta tanto pelo IFRS quanto pelo CPC. A questão é: “A maioria das empresas bem intencionadas e bem capitalizadas apresentam o Ebitda na forma ‘pré-IFRS 16’ e ‘pós-IFRS 16’. A Via convenientemente não”.
Qualquer analista mais cuidadoso conseguiria remontar a conta do Ebitda com o valor relevante dos aluguéis, mas o especialista questiona o porquê da empresa escolher não apresentar o valor.
De acordo com os cálculos do analista, o Ebitda pós-IFRS 16 é de R$ 2,4 bilhões; pré-IFRS 16, o valor cai para R$ 1,2 bilhão.
Endividamento
Em sua investigação, o analista percebeu que a Via – assim como outras varejistas – estava pegando empréstimos de curto prazo a fim de pagar seus fornecedores.
Todavia, ele mostra que a empresa escondia essas dívidas, não tratando-as como empréstimos – ou seja, um valor que pegou emprestado e precisa devolver – em seu balanço, mas sim como valores usados para quitar os compromissos financeiros com os fornecedores.
Desta forma, a companhia leva aos credores, fornecedores e acionistas a crerem que seu endividamento é bem menor. Os cálculos do analista indicam que estes empréstimos traduzem em mais R$ 1,5 bilhão de dívida para a empresa.
Outro ponto que ele ressalta é sobre o desconto de duplicatas e antecipação de recebíveis. Explicando de forma breve, as duplicatas são documentos que comprovam o valor a ser recebido de clientes pela empresa.
Os recebíveis são bem auto explicativos; são valores devidos à empresa resultantes da venda de produtos ou serviços com pagamento a prazo.
O especialista observou que a Via – em outra prática comum a grande parte das varejistas – vendia suas duplicatas para instituições financeiras antes do prazo de vencimento para receberem o dinheiro antecipadamente, mas com um desconto, para obter capital de forma mais rápida.
Entretanto, a empresa não divulgava de forma clara o volume de recebíveis que estavam antecipando, induzindo pessoas de interesse – como acionistas e investidores – a cometerem erros de avaliação.
“A Via continua, inclusive, não apresentando o saldo de recebíveis de cartão de crédito que antecipa, apenas o crediário”, explicou.
Recentemente, a companhia foi forçada a incluir suas despesas financeiras com essas antecipações, o que ajudou ao analista calcular a dívida líquida da empresa.
Segundo ele, o indicador ficaria em R$ 13,8 bilhões, bem maior que os R$ 1,5 bilhão apresentados em planilha divulgada pela Via.