8% de queda do Ibovespa: uma biópsia do semestre das expectativas frustradas

Isabela Jordão

 

A primeira metade de 2024 foi uma sequência de frustrações para quem apostava na retomada da bolsa brasileira neste ano. Mesmo com o desempenho positivo em 2% nesta última semana de junho, o desempenho acumulado do Ibovespa no semestre fechou em 7,6% negativos.

Com a crise de crédito deflagrada pelo escândalo da Americanas [AMER3] no passado e iminentes cortes de juros nos EUA no horizonte, as expectativas eram majoritariamente favoráveis. O primeiro Boletim Focus de 2024 apontava a projeção de taxa Selic em 9% para o fim do ano – agora, nenhum consenso tem esperança de juros abaixo de dois dígitos para os próximos seis meses. 

A decepção talvez não fosse tão grande se o mercado externo tivesse acompanhado a dissipação do bom humor. Só que S&P 500, Nasdaq e Dow Jones renovaram mais de uma vez as máximas históricas de fechamento, enquanto o Ibovespa se afasta cada vez mais dos 134 mil pontos – alcançados em dezembro passado. 

Porém, as aparências enganam, e a discrepância não é tão grande quando se olha atentamente. Tal qual na parábola bíblica do joio e do trigo – duas plantas semelhantes em aparência, porém opostas qualitativamente –, é necessário entender a realidade além do que os números fazem ver.

O joio – parece, mas não é

A valorização dos índices americanos, tão contrária ao desempenho do mercado local, não deveria espantar. Quem puxou o salto foram as ações de tecnologia, inseridas na narrativa da inteligência artificial, conforme explica Max Bohm, estrategista de investimentos da Nomos. Tais companhias têm peso relevante nos índices, o que justifica os recordes positivos. 

Nvidia e Microsoft bateram seus respectivos recordes de valor de mercado em junho e agora estão competindo pelo posto de maior do mundo. Já a Apple se tornou a primeira empresa a atingir US$ 1 trilhão em valor de marca, após apresentar nova proposta de integração entre IA e os produtos da companhia. 

O fluxo de capital estrangeiro acumulado no ano somava R$ 42,43 bilhões negativos até 20 de junho. [Fonte: TradeNews PRO]
Quanto à Nvidia especificamente, pode ser só o começo da bonança. Para André Vasconcellos, vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), a indústria de semicondutores ainda tem grande potencial. 

O aumento da demanda por eletrônicos de consumo, aliada à expansão da computação em nuvem, da IA e do machine learning, assim como da implantação global de redes 5G, igualmente aumentam a demanda por semicondutores para equipamentos de infraestrutura e dispositivos habilitados, prossegue.

Enquanto isso, o Ibovespa segue concentrado em bancos, energia e commodities, setores que não experimentaram o mesmo nível de crescimento e valorização que as big techs americanas. 

O trigo – preocupações fundamentadas

Se a comparação entre performance de índices não captura precisamente a realidade, o cenário macroeconômico o faz. A economia americana segue com crescimento robusto do PIB, taxas de desemprego em declínio e forte consumo doméstico, enquanto a inflação de serviços vem reduzindo e o mercado de trabalho esfriando. 

Por outro lado, a inflação no Brasil tem sido um problema persistente, “com custos elevados afetando a rentabilidade das empresas e o poder de compra dos consumidores”, diz André. Desafios mais significativos da economia local incluem crescimento modesto, altas taxas de desemprego e a inflação persistentemente alta.

Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, elenca a alta do dólar e da inflação de serviços como os principais fatores de pressão sobre o mercado interno. “Isso fez com que a nossa perspectiva de juros fosse maior e, por consequência, derrubou a nossa bolsa.” Há também o impacto do preço das commodities, “mas eu não acho isso tão relevante quanto esses dois primeiros itens”. 

A valorização do dólar, aliás, tem muito a ver com o desenrolar dos dramas de Brasília, acrescentou Beto. O mercado fica avesso ao risco por não ver saída para o controle de gastos.

Semelhantemente, “a comunicação errática e a falta de entendimento entre o governo federal e o Congresso” geram desconforto adicional, acrescenta Max Bohm. 

A equipe de estratégia do JP Morgan manteve exposição “overweight” (acima da média) para o Brasil e para o Chile. No entanto, revisou a projeção do Ibovespa para baixo em cerca de 5%, refletindo a deterioração das expectativas no início do ano. [Fonte: TradeNews PRO]
A consequência foi a fuga do capital estrangeiro. O investidor gringo tinha entrado com R$ 87,8 milhão na B3 em 28 de dezembro, totalizando aporte de R$ 44,8 bilhões em 2023. Quase tudo foi embora apenas na primeira metade de 2024. O saldo total somava R$ 42,43 bilhões negativos até 20 de junho. 

Como lembra Gerson Brilhante, analista da Levante Inside Corp, o capital tende a fluir de mercados emergentes para mercados desenvolvidos em períodos de aumento das taxas de juros nos EUA, devido ao menor risco e aos retornos relativamente mais altos em ativos seguros, como os títulos do Tesouro dos EUA.

Da mesma forma, os resgates de fundos de ações são outro fator negativo para o mercado interno, assim como os resgates nos fundos. “A pessoa física continua resgatando dos fundos de ações e esses fundos estão tendo que vender mesmo a contragosto”, expôs Max Bohm. Entre os multimercado, apenas dois acumulam rentabilidade positiva em 2024.

Vale a pena comprar Bolsa de novo?

Apesar dos pesares, Max frisa que a Bolsa brasileira está barata. Ela hoje negocia a uma relação Preço/Lucro (P/L) de 7 vezes, perto das mínimas de 20 anos, enquanto a média do múltiplo no período se aproxima de 11 vezes. “Ou seja, ela está negociando com desconto de quase 40% em relação à média dos últimos 20 anos.”

O especialista destaca que as empresas integrantes do índice têm crescido em lucro, “os fundamentos estão sólidos”. Ele então condiciona o retorno do fluxo de capital estrangeiro para a B3 tão logo o Federal Reserve comece a reduzir os juros. 

“A gente acredita que o fluxo volta porque o estrangeiro vai encontrar uma bolsa caindo mais de 20% em dólar, há múltiplos muito convidativos, em empresas de ótima qualidade.” Assim, os mesmos bilhões que saíram neste ano podem voltar “em questão de um mês, dois meses, como aconteceu em novembro e dezembro do ano passado”, finaliza.

Beto Saadia também gosta da exposição à Bolsa brasileira, independentemente da valorização. “Grande parte dessas empresas já são boas pagadoras de dividendos, então, mesmo que o preço não suba tanto quanto a gente está esperando, temos boas perspectivas”, referentes à rentabilidade dos proventos, que já superam a de ativos de renda fixa.

Gerson Brilhante, por sua vez, concorda que o Ibovespa está barato, mas destaca: “não quer dizer que ficará caro”. Na visão do analista da Levante, o prêmio de risco compensa o investimento em Bolsa, mas permanecem os riscos inerentes a essa atratividade.

O JP Morgan reduziu nesta terça-feira a projeção para o Ibovespa ao fim de 2024, de 142 mil pontos para 135 mil pontos. Ainda assim, o Brasil continua sendo a escolha preferencial do banco na América Latina e a projeção ainda representa alta de 10% em relação ao fechamento de ontem.

A equipe de estratégia do banco manteve exposição “overweight” (acima da média) para o Brasil e para o Chile. 

 

*Originalmente publicado em 25 de junho.

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