O ovo de Páscoa ficou mais caro? Veja a causa do preço dos chocolates este ano

ovo de páscoa

Jonathan Maia, de 23 anos, comprou cinco ovos de chocolate na última Páscoa, pagando entre R$ 70 e R$ 75 em quatro deles. Para a avó, a escolha foi um de R$ 85, de uma famosa marca de chocolates nacional. Já Rafaela Cardoso, 34, comprou em 2023 um ovo de Páscoa de R$ 45 para o filho, Arion, 5. Mas este ano, acabou-se o que era doce.

Rafaela Cardoso e o filho, Arion. [Fonte: Rafaela Cardoso]
Memes e reclamações sobre os preços dos ovos de Páscoa são quase tradição dessa época do ano – mesmo porque a discrepância entre o custo de um ovo e uma barra de chocolate sempre foi evidente. Mas o cenário agora é outro. Da oferta à demanda pelos doces, tudo é singular este ano.

O preço do cacau recentemente bateu recordes no mercado internacional. Condições climáticas adversas na maior região produtora global de cacau do mundo, a África Ocidental, prejudicaram a produção e a exportação da commodity.

Alexia Soares, confeiteira de 22 anos na Chocolateria Delicata, percebeu um encarecimento dos chocolates de uso profissional. Mesmo pesquisando os preços mais baratos e tendo iniciado o estoque do ingrediente no final de janeiro, ela não escapou da necessidade de repassar preços aos clientes – que nunca reclamaram.

Jonathan Maia [esquerda], a mãe, o irmão e o pai desistiram de comprar ovos de Páscoa este ano. [Fonte: Jonathan Maia]
Por outro lado, um levantamento do Procon-SP aponta alta menor do chocolate nessa Páscoa em comparação com o ano passado. A partir da comparação do preço de 90 itens em 2023 e 2024, o preço médio do quilo dos bombons subiu em 8,76%, enquanto a média do quilo dos tabletes avançou 8,3%. Em compensação, o quilo dos ovos de chocolate está 15,52% mais barato, de acordo com o órgão.

Tudo passa pelo mercado financeiro

O avanço do preço do cacau no ano passado é responsável pelo encarecimento dos chocolates agora. A cotação da matéria-prima é determinada a partir da negociação de contratos futuros de compra e venda nas bolsas de valores de Nova York e Londres. Os contratos que determinam o “preço presente” são sempre para entrega em dois meses.

Entre janeiro e setembro do ano passado o cacau registrou alta de 31,46% em relação ao mesmo período de 2022, enquanto entre janeiro e outubro o avanço era de 46,81%. No acumulado de 2023, a alta foi de 61,33% comparado a 2022 – e os preços mais que dobraram em 2024.

Claro, a definição de preços não é mera arbitrariedade dos investidores. Os preços sobem de acordo com a oferta e demanda, lei básica da economia. Fenômenos climáticos derrubaram as entregas de cacau na safra anual em 34% na Costa do Marfim e em 35% em Gana – maiores produtores do mundo –, de acordo com a Organização Internacional do Cacau (ICCO). 

O evento vai levar à redução de 11% na oferta mundial, a 4,449 milhões de toneladas na safra atual. Mesmo com a estimativa de queda de 5% da demanda pelo cacau, a 4,779 milhões de toneladas de acordo com a ICCO, será o terceiro ano seguido de déficit no mercado global da commodity.

Preço diário do contrato futuro de cacau em Nova York de agosto de 2023 a março de 2024. [Fonte: Investing]
Quanto aos chocolates comercializados em grandes varejistas neste momento, eles foram provavelmente produzidos sob a cotação dos contratos com vencimento em novembro e dezembro, quando o preço do cacau variava entre US$ 3.500 e US$ 3.800 a tonelada em Nova York, que foram os preços negociados entre setembro e outubro de 2023. 

E a tendência é os doces pesarem ainda mais no bolso, pois o avanço acumulado de 134,6% neste ano do preço do cacau ainda não reflete no atual preço do chocolate. O contrato futuro para entrega em maio fechou nesta quarta-feira (27) em alta de 2,95% a US$ 9.906 por tonelada em Nova York.

Essa cotação do cacau vai influenciar o preço do chocolate a partir de agosto, três meses após a consumação do contrato entre vendedor e comprador.

Para lidar com a valorização da matéria-prima, as marcas de chocolate têm a opção de substituir a manteiga de cacau por gorduras mais baratas – obviamente provocando alterações (para pior) no gosto. O consumidor, por sua vez, tem um jeito diferente de lidar. 

A ponta final da cadeia de suprimentos

Jonathan desistiu de comprar ovos de chocolate. Rafaela foi por um caminho mais criativo: escolheu ovos menores, de preço abaixo de R$ 20, para organizar uma caça ao tesouro com o filhinho. Já Alexia, que atua no segmento de ovos de Páscoa artesanais, enumerou uma série de variáveis que afetaram negativamente o comércio. 

Alexia Soares, de 22 anos, percebe uma série de fatores que levaram ao arrefecimento das vendas de chocolates nesta Páscoa. [Foto: Alexia Soares/Instagram]
A “culpa” inicial é do calendário litúrgico da Igreja. A Páscoa caiu em 29 de março, “o dia do mês em que as pessoas já gastaram tudo o que podiam”, nas palavras da confeiteira. Todavia, o Natal já havia sido mau presságio, mercadologicamente falando. 

A terceira variável é peculiaridade do Brasil, onde os ovos de colher se popularizaram em torno de 2018: os sabores ficaram saturados e o consumidor não quer mais mesmice. “Não tem novidade, são sabores que as pessoas comem em qualquer outra data […], até mesmo o próprio consumidor faz em casa”. 

Mas foi a mudança na intenção de consumo que mais pesou no esfriamento das vendas, ponderou Alexia. Uma vez que os sabores saturaram, deixaram também de ser a motivação para as compras. “As pessoas compram pelo ‘hype’, pelo efeito manada.” Grandes marcas conseguem associar chocolates aos brindes, enquanto os pequenos produtores precisam encontrar novas maneiras de atrair os clientes. 

O segredo, conta a confeiteira, é uma velha máxima dos economistas da Escola Austríaca: ouvir o consumidor e atender às demandas dele. 

Ainda assim, do pequeno ao grande varejista, todos precisam lidar com a realidade do poder de compra dos clientes. Chocolates são itens de consumo discricionário, e, a julgar pela quantidade de descontos no preço de diversos ingredientes que Alexia encontrou nesta semana, o brasileiro está menos disposto a pagar pelos doces de Páscoa.

Wall Street concorda

Inflação não é problema exclusivo do Brasil desde o pós-pandemia, e estava elevada no mundo inteiro no ano passado. A alta do preço do cacau tem resultado em desvalorização da das ações de empresas alimentícias com participação relevante de produtos com chocolate no faturamento. 

A empresa mais impactada é a Hershey [HSHY34], que sofreu queda acumulada de 19,5% das ações em 2023. Além do preço do cacau, a alta nos custos de vendas e marketing, elevação nos investimentos e o dólar forte (que gera receita menor em outros países) contribuíram para uma perspectiva negativa sobre a empresa.  

No caso da Nestlé, cujas ações caíram 8,99% em 2023 e 1,55% em 2024 na bolsa de Zurique, o impacto maior foi devido à inflação elevada no mundo, já que a empresa suíça tem uma diversificação maior no seu portfólio de produtos. Em relação à Mondelez [MDLZ34], suas ações subiram 8,99% em 2023, apesar da inflação elevada e alta nos custos de produção. O desempenho das vendas da Mondelez em economias emergentes contribuiu para uma performance positiva das ações.

Após subir os preços em dois dígitos ano passado, a Mondelez informou que não deve subir mais do que um dígito os seus preços por causa da alta do cacau, levando a empresa a divulgar uma expectativa de vendas e lucro menor em 2024 do que o esperado pelo mercado. Com isso, as ações operam em baixa em 2024, acumulando perdas de 3,47%.

Onde uns veem crise, outros veem oportunidade. No Brasil não há negociação de contratos futuros de cacau, inclusive porque a produção nacional da commodity é bem pequena. O produto está disponível na Intercontinental Exchange (ICE) – bolsa de negociação de commodities – de Nova York e na de Londres. 

“O investidor brasileiro pode operar esses futuros com toda assistência de uma corretora especializada”, explica Geraldo Isoldi, analista independente de commodities, acrescentando que o procedimento não é igual a operar futuros na B3. Operar futuros no exterior implica em ter que mandar dinheiro para fora. 

“O investidor precisa estar muito bem, não só muito bem assessorado para fazer qualquer compra ou venda”, mas também “medir muito bem o risco que ele quer e que ele pode correr, porque realmente é uma situação delicada”, prossegue o especialista. Por se tratar de uma commodity diferente do milho ou do boi, é preciso tomar bastante cuidado.

O cacau, conclui Geraldo, é distante da realidade da maioria dos brasileiros, incluindo os próprios analistas do mercado financeiro nacional. Se os preços mantiverem o patamar atual, a commodity pode ficar cada vez mais distante do paladar também. 

 

(Com dados do Investing.com)

 

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