Uma carta do fundador da maior montadora de iPhone do mundo desempenhou papel importante em persuadir a liderança do Partido Comunista da China a acelerar os planos para flexibilizar sua política de Covid-zero, afirmaram fontes consultadas pelo The Wall Street Journal (WSJ).
Na carta aos líderes chineses, o fundador do Foxconn Technology Group, Terry Gou, disse que os rígidos controles da Covid ameaçariam a posição central da China nas cadeias de suprimentos globais, de acordo com as fontes do WSJ.
Ainda segundo eles, Terry exigiu mais transparência nas restrições aos trabalhadores da montadora.
A correspondência foi enviada há pouco mais de um mês, quando a fábrica da Foxconn na cidade de Zhengzhou foi isolada em meio aos lockdowns na região.
Autoridades de saúde chinesas e conselheiros do governo aproveitaram a carta de Terry para reforçar a ideia de que o governo precisava acelerar seus esforços para aliviar sua política anti-Covid, de acordo com as fontes do WSJ.
As tensões semanas depois de protestos em todo o país deram mais munição aos conselheiros políticos para pressionar por medidas de relaxamento, disseram duas das pessoas.
Funcionários e conselheiros que buscam por medidas mais brandas argumentaram que a tolerância zero foi bem sucedida na proteção da saúde pública, mas a variante Ômicron exigia uma mudança de tática, afirmaram.
A Ômicron é menos mortal, argumentaram os funcionários e consultores, mas sua natureza altamente contagiosa levaria a mais bloqueios, em um momento em que o povo estava ficando cansado deles. Outro argumento foi a possibilidade de as interrupções nos negócios ameaçarem o status da China como o “chão de fábrica do mundo”.
Os líderes chineses, incluindo o presidente Xi Jinping, já consideravam a reabertura após quase três anos de duras restrições pandêmicas, mas estavam agindo com cautela e ainda não haviam estabelecido um prazo para suspendê-las.
Xi é defensor da Covid-zero, que por quase três anos resultou em menor número de mortes e também prejudicou o crescimento econômico. Qualquer mudança significativa na política exigiria a aprovação do líder.
No final de outubro, o governo da China proibiu os trabalhadores de deixarem a fábrica da Foxconn em Zhengzhou. Insatisfeitos, alguns fugiram. Então, em 2 de novembro, o governo local impôs um bloqueio de uma semana que proibia todos os movimentos, exceto os essenciais, na fábrica.
Muitos trabalhadores foram trancados em seus dormitórios ou levados de ônibus para instalações de quarentena longe da montadora. Outros, temendo contrair Covid, recusaram-se a regressar às linhas de produção.
No final do mês passado, protestos eclodiram na Foxconn. Segundo a empresa, as manifestações se deram devido a preocupações de alguns novos trabalhadores com seus salários. Vídeos postados online mostraram funcionários arremessando itens e gritando: “Defenda seus direitos!”
O acontecimento adicionou combustível aos planos da Apple de transferir parte de sua produção da China, o atual (e há muito tempo) país dominante na cadeia de suprimentos – que construiu a empresa mais valiosa do mundo.
Outras companhia sofreram problemas de produção na China este ano, incluindo a fabricante de chips de memória Samsung Electronics, a montadora alemã Volkswagen AG e uma empresa têxtil fornecedora da Nike e Adidas.
Os líderes chineses temem que as interrupções causadas pelas políticas da Covid, juntamente com a escalada das tensões políticas entre Washington e Pequim, possam levar a uma dissociação mais ampla entre a China e o mundo, afirmaram fontes do WSJ.
Depois que Terry enviou a carta, o tom do governo em relação à Covid começou a mudar. Em 3 de novembro, um artigo no Health Times, um jornal dirigido pelo porta-voz do Partido Comunista People’s Daily, descreveu os sintomas de Covid como geralmente de curta duração e leves. A descrição foi diferente das narrativas anteriores do governo que enfatizavam a gravidade da doença e as potenciais implicações para a saúde a longo prazo.
Em 11 de novembro, a China começou a implementar medidas de flexibilização. Membros do Comitê Permanente do Politburo da China, formado por partidários recém-nomeados de Xi, estabeleceram novas regras para “otimizar e ajustar” as políticas, a fim de minimizar o impacto no crescimento econômico e na vida das pessoas.
As novas regras, no entanto, deixaram brechas para diferentes interpretações dos governos locais, que continuaram a impor bloqueios à medida que os casos atingiram seus níveis mais altos na China desde o início da pandemia. No final de novembro, um incêndio em uma casa que matou pelo menos 10 pessoas gerou protestos. O socorro às vítimas foi adiado devido a presença de bloqueios nas vias.
Embora a China não veja os protestos como uma grave ameaça política ao Partido Comunista, disseram as fontes, alguns conselheiros do governo os usaram como ferramenta para pressionar por mais medidas de flexibilização. Na quarta-feira, a China emitiu novas regras, eliminando muitos de seus requisitos de quarentena e testes e restringindo a capacidade dos líderes locais de impor bloqueios.
O gigante asiático também tentou enfatizar a importância da fábrica da Foxconn. Em um vídeo publicado em 20 de novembro, o People’s Daily elogiou o local de produção da Apple, dizendo que representava direta ou indiretamente mais de um milhão de empregos locais e treinou mais de 3 milhões de trabalhadores qualificados.
Na semana passada, o número de trabalhadores no local de Zhengzhou atingiu cerca de 40% a 50% dos níveis observados durante os períodos de plena capacidade de produção, e a Foxconn deve restaurar sua capacidade de produção de iPhones no centro e sul da China para mais de 60% em dezembro, segundo para Ming-chi Kuo, analista da TF International Securities que acompanha a cadeia de suprimentos.
O Gabinete de Informação do Conselho de Estado da China, a Foxconn e a Apple não responderam aos pedidos de comentários.
(com Dow Jones Newswire)