A movimentação para financiar projetos de infraestrutura ocorre em conjunto a um aumento incomum da meta de déficit orçamentário
A China intensificou os esforços para estimular sua economia atormentada, emitindo títulos públicos adicionais e aumentando sua meta de déficit orçamentário fora da sessão legislativa regular pela primeira vez em mais de uma década.
O principal órgão legislativo do país aprovou, nesta terça-feira (24), um plano para levantar 1 trilhão de yuans, equivalente a cerca de US$ 137 bilhões, em dívida governamental adicional, metade para uso até o final deste ano e metade para o próximo ano, de acordo com a agência oficial de notícias Xinhua.
Os legisladores disseram que a emissão de títulos era destinada a projetos de infraestrutura na sequência de enchentes severas e outros desastres naturais, relatou a Xinhua.
O mais recente estímulo, que segue uma série de medidas fragmentadas, como cortes nas taxas de juros e redução dos custos hipotecários para compradores de imóveis, sinaliza que Pequim continua preocupada com a fraqueza da recuperação econômica, que contava que aconteceria após o fim de todas as restrições da pandemia.
Parte do problema é o crescente endividamento dos governos locais em mais áreas do país e uma crise imobiliária que mostra pouco sinal de possível diminuição. Até agora, Pequim evitou oferecer suporte às famílias para ajudar a economia a fazer a transição para uma baseada no consumo, em grande parte por causa do foco do líder Xi Jinping em ideologia e relutância a recorrer a benefícios para os consumidores.
Embora muitos economistas tenham ficado perplexos com o momento do anúncio, já que o crescimento nas últimas semanas pareceu se estabilizar, eles consideraram que a nova emissão de títulos é incremental e não seria suficiente para reverter as dificuldades de longa data para a economia, como a falta de demanda das empresas e dos consumidores.
Os 1 trilhão de yuans em títulos soberanos representam menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da China. Em comparação, o estímulo lançado pela China na crise financeira global de 2008 representou mais de 12% do seu PIB na época.
“Certamente não é algo que mudará o jogo”, argumentou Larry Hu, economista-chefe da China no Macquarie Group. “Mas confirma que a postura geral da política permanece favorável, dada a fragilidade da recuperação”.
Alguns economistas afirmam que o projeto de estímulo demonstrou um sinal incomum de que o governo central está disposto a assumir a responsabilidade no financiamento de projetos de infraestrutura, após deixar essa tarefa para os governos locais durante grande parte das últimas décadas.
O Wall Street Journal informou em junho que os formuladores de políticas consideraram emitir cerca de 1 trilhão de yuans em títulos do tesouro especiais para ajudar os governos locais endividados e fortalecer a confiança empresarial. A proposta política não foi aprovada na época por Xi, que centralizou a tomada de decisões.
Na visão do principal líder, austeridade é preferível ao estímulo, segundo pessoas próximas ao processo político de Pequim.
Mas as fortes chuvas deste verão deslocaram milhões de pessoas e sobrecarregaram ainda mais as finanças no nordeste da China, especialmente na província de Hebei, que faz fronteira com Pequim. A raiva pública aumentou após as perdas causadas pelas enchentes.
A decisão de ajudar as regiões afetadas por desastres naturais foi tomada em uma reunião de alto nível presidida por Xi em agosto, de acordo com o artigo da Xinhua divulgado hoje.
Grande parte dos novos títulos será usado para ajudar na reconstrução após as recentes enchentes, melhorar o saneamento urbano e ajudar a combater outros desastres naturais, de acordo com o plano que foi aprovado pelo comitê permanente do Congresso Nacional do Povo da República Popular da China nesta semana, afirmou a Xinhua.
Como resultado, o déficit fiscal oficial da China, que não conta com títulos especiais emitidos pelos governos locais, subirá para 3,8% do PIB, acima do teto de 3% estabelecido pelo governo em março.
Embora o novo estímulo deva ajudar a China a manter um crescimento de 10% nos investimentos em infraestrutura pelo resto do ano, segundo Hu, do Macquarie Group, ele não atende ao tipo de estímulo que os economistas dizem que a China precisa desesperadamente: transferência direta ou indireta de riqueza para as famílias para impulsionar o consumo.
Na semana passada, os funcionários chineses relataram um crescimento anual mais forte do que o esperado, de 4,9%, no terceiro trimestre, um resultado que provavelmente garantirá que a China atinja cerca de 5% de crescimento este ano, diminuindo a perspectiva de Pequim liberar mais medidas de alívio com urgência, explicaram os economistas.
A China mudou pela última vez sua meta de déficit orçamentário fora da sessão legislativa em 2008, quando os funcionários disseram que planejavam gastar 1 trilhão de yuans em fundos arrecadados por meio de financiamento do governo local, empréstimos bancários, doações de residentes e outros canais para reconstruir áreas devastadas pelo terremoto de Sichuan.
Mais tarde naquele ano, Pequim anunciou um pacote de estímulo totalizando US$ 586 bilhões para impulsionar a demanda doméstica e ajudar a evitar uma recessão global.
Economistas da Capital Economics divulgaram em uma nota aos clientes: “É raro que os planos fiscais do governo central sejam revisados fora do ciclo orçamentário usual, então essa medida sinaliza uma clara preocupação com o crescimento a curto prazo”.
A lacuna de financiamento para os funcionários locais foi exacerbada pela bolha imobiliária estourada, já que os governos locais contavam há muito tempo com as vendas de terras como fonte de receita, disse Wei Yao, economista-chefe da Ásia na Société Générale.
“Pelo menos Pequim reconheceu que os governos locais enfrentam restrições fiscais estruturais”, concluiu ela. “Isso é bastante significativo”.
(Com The Wall Street Journal; Título original: China Increases Bond Issuance to Help Its Economy)