Recessão na Europa é ponto pacífico entre gestoras; questão é “quando”

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Enquanto a possibilidade de recessão nos EUA permanece ponto controverso entre grandes players dos mercados global e brasileiro, quando se fala na Zona do Euro, a retórica majoritária não é “se” haverá recessão, mas “quando”.

Em contraste com a maior economia do mundo, onde a inflação tem sido contraposta com o fortalecimento do mercado de trabalho, relatórios de profissionais do mercado financeiro encadeiam a escalada inflacionária como apenas mais um dentre os muitos desafios econômicos do Velho Continente.

“As preocupações na Europa estão pautadas na crise energética, na falta de commodities agrícolas e metálicas, incerteza sobre o ritmo do aperto monetário e condições financeiras, o que coloca a região em uma situação complexa à frente”, sintetiza a asset brasileira HIX Capital.

No início de setembro, o Banco Central Europeu (BCE) elevou a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual (p.p.). A presidente da instituição, Christine Lagarde, definiu como prioridade entregar estabilidade de preços. No mesmo dia, o banco central da Dinamarca rompeu com as taxas de juros negativas em vigor desde 2012.

Outras quatro autoridades monetárias da Zona do Euro seguiram o caminho do aperto monetário. Na última quarta-feira (21), mesmo dia da decisão do Federal Reserve, o BC da Suécia aumentou as taxas de juros em 1 p.p., maior reajuste desde a criação da meta de inflação no país.

Suíça e Noruega elevaram juros em 0,5 p.p. no dia seguinte. Fora da Zona do Euro, o Banco da Inglaterra (BoE) apertou a taxa na mesma proporção, para 2,25%.

Ao comentar sobre a inflação na Europa, a XP Asset destaca o setor de serviços – pois “o desemprego lá está na mínima” –, e a questão da guerra da Rússia na Ucrânia, que inclui o corte no fornecimento de gás natural para a Zona do Euro. “Dado o fechamento total do Nord Stream 1, a gente deve ter sim racionamento na Alemanha” e consequente pressão adicional nos preços.

“Como tem o risco de uma inflação muito grande, a gente acha que o Banco Central Europeu vai ficar reticente em subir tanto o juro quanto necessário”, comenta Fernando Genta, economista-chefe da asset. “Mas a gente ainda acha que eles vão subir mais o juro do que está na curva”.

O índice de preços ao consumidor (CPI) da Zona do Euro renovou recorde à taxa anual de 9,1% em agosto, conforme divulgado em 16 de setembro. Em julho, três das quatro maiores economias do bloco apresentaram retração da produção industrial. A França teve a pior variação, de -1,5%, seguida por Espanha (-1%) e Alemanha (-0,7%). Apenas a Itália registrou crescimento, de 0,4%.

Previsões de recessão na Zona do Euro coletadas pela Bloomberg até 19 de setembro. [Fonte: Bloomberg]
De acordo com a gestora Occam Brasil, a crescente ênfase das autoridades monetárias na estabilização da inflação se dá num cenário de deterioração mais acentuada da atividade econômica.

“Desta forma, além do choque na renda disponível das famílias em decorrência da inflação, o aperto monetário será um mais elemento que contribui para a desaceleração global”, afirma a estrategista Isabel Ramos.

Na visão da Occam, o processo vai de fato desembocar em uma recessão econômica não apenas na Europa, mas global. “A principal razão é que o mercado de trabalho se encontra extremamente apertado ao redor do mundo e a política monetária, para ser efetiva em trazer a inflação para baixo, precisará aumentar a taxa de desemprego deforma substancial”, diz Isabel. “Recessões e aumento da taxa de desemprego são intimamente correlacionados.”

Em concordância, a Eleven Financial acrescenta a questão energética. A escassez de gás natural, devido ao corte de fornecimento da Rússia, suscita projeções de “possíveis apagões, principalmente na Alemanha, que é a locomotiva da Zona do Euro”, comenta Carlos Daltozo, head de equities da casa.

A BlackRock também prevê recessão na Europa diante da iminente crise de energia e o impacto dela nos ativos de risco, conforme reportado pela Bloomberg. Estrategistas da maior gestora de fundos do mundo mencionaram também que o Banco Central Europeu tende a esfriar ainda mais a atividade econômica na tentativa de controlar a inflação.

“Achamos que o BCE vai acordar para essa realidade mais cedo do que os mercados esperam, mas não antes de enfrentar inevitavelmente uma grave recessão”, escreveram em meados de setembro. “As ações europeias não estão precificadas para a profunda recessão que esperamos. Excluindo commodities, as estimativas de crescimento dos lucros europeus são muito otimistas”.

Na última quinta-feira (22), a Comissão Europeia divulgou estudos de novas medidas para estabelecer um teto para os preços de gás natural e apoiar empresas de energia em crise de liquidez. O braço executivo da União Europeia pretende publicar atualizações sobre o novo plano na próxima quarta-feira (28), de acordo com a Reuters.

Como investir?

A conjuntura atual não permite aumento de exposição ao mercado externo nas carteiras, defende a Eleven. “A dinâmica lá fora está muito complexa, tanto que a bolsa brasileira está na contramão de bolsas globais”, diz Carlos Daltozo. A casa de research mantém a precificação do Ibovespa aos 125 mil pontos ao fim de 2022.

“Na contramão do movimento no exterior, no Brasil, os dados macroeconômicos têm apresentado significativa robustez”, endossa a HIX. “Fomos os primeiros a subir as taxas de juros, vemos resultados positivos dos cortes tributários nos preços de energia e combustíveis, e preços ‘comportados’ de commodities, que contribuem para uma inflação a nível de economias desenvolvidas – e em casos até menor”.

Variação mensal do IPCA desde o Plano Real, [Fonte: IBGE]
A gestora também menciona certo alívio no mercado doméstico por conta da autossuficiência brasileira em termos de alimentos e energia. “Após muitos desafios ao longo dos últimos anos – como a reforma da previdência, lei do gás e privatizações –, a inflação global não se configura fatal”.

A HIX define o cenário interno como “animador”, considerando a queda nos índices de desemprego e inflação e o patamar elevado da taxa Selic, além de valuations considerados atrativos. “Seguimos confiantes na performance significativa dos ativos domésticos nos próximos meses”.

Já a Occam busca estar comprada no dólar contra uma cesta de moedas, tanto emergentes quanto desenvolvidas, “uma vez que recessões globais são associadas ao fortalecimento do dólar”. A gestora também tem posições tomadas de juros, “sobretudo na parte curta da zona do euro, EUA e Brasil”, dado o entendimento de que que o aperto monetário deve continuar mesmo durante a fase inicial da recessão.

“Neste último caso, acreditamos que há um exagero com relação ao ciclo de cortes precificado para o próximo ano”, comenta Isabel Ramos. “Por fim, estamos pessimistas com bolsas globais”.

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