As viagens de Biden e Putin ao Oriente Médio

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Os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da Rússia, Vladimir Putin, acabam de retornar de visitas a países do Oriente Médio. Biden esteve em Israel, na Cisjordânia e na Arábia Saudita, onde se encontrou com onze chefes de Governo. Putin esteve no Irã, reunindo-se com o presidente e o líder supremo do país anfitrião e com o presidente da Turquia.

O Oriente Médio se encontra em um momento especialmente conturbado. O Irã caminha a passos largos para a fabricação da arma nuclear e Israel está sendo governado por um gabinete interino, após a renúncia do Primeiro-Ministro Naftali Bennett. A região também vive um momento de acirramento da disputa geopolítica, em que o Irã, a Turquia e a Arábia Saudita disputam primazias e esferas de influência; o Afeganistão está mergulhado no caos econômico e social após o retorno do Talibã ao poder; e o Líbano passa por grave crise econômica, assim como a Síria, país que enfrenta uma guerra civil há mais de 11 anos. No Iêmen, a guerra civil, que na verdade é travada por procuração entre iranianos e árabes desde 2014, com os primeiros financiando os rebeldes Houthis e os últimos apoiando o governo, está assistindo a um momento de trégua, negociado pela ONU.

A presença, quase concomitante, dos presidentes das duas maiores potências militares do planeta no Oriente Médio, especialmente quando a guerra na Ucrânia as coloca em lados opostos, em uma conjuntura de crise econômica global, e em meio a tantas tensões regionais, recorda aos observadores da cena internacional que o Oriente Médio continua sendo muito relevante do ponto de vista geopolítico.

Aliás, aquela região, parte do “coração do mundo” retratado por Peter Frankopan – livro cuja leitura recomendo fortemente – sempre foi área de interesse das grandes potências, desde a antiguidade até os dias atuais. Afinal, está a se falar do berço de civilizações e das grandes religiões monoteístas, da “esquina do mundo”, onde Oriente e Ocidente se encontram, além de regiões riquíssimas em recursos minerais, especialmente petróleo e gás natural.

A importância geoestratégica sempre atrai a cobiça e a disputa. No Oriente Médio isso aconteceu no passado e é verdadeiro até os dias de hoje. E a presença pessoal de Biden e Putin por lá indica que russos e americanos possuem grandes interesses em jogo na região.

Biden foi a Israel e à Arábia Saudita motivado por três interesses principais. Primeiro, mostrar aos israelenses que os EUA estão comprometidos em não permitir que o Irã alcance o status de potência nuclear[1], o que foi expresso claramente no comunicado conjunto emitido pelos dois países, no qual ambos expressam que utilizariam todos os instrumentos do poder nacional – aqui se entenda o uso da força militar – para evitar que os iranianos fabriquem a bomba nuclear. Segundo, pedir aos países do Golfo Pérsico, em especial à Arábia Saudita, que aumentem a produção de petróleo e gás, com o objetivo de tentar conter os preços dessas commodities, no momento em que o mercado mundial de energia se encontra desorganizado em razão dos efeitos causados pela invasão russa da Ucrânia. Terceiro, mostrar a todos os países da região que, apesar do Indo-Pacífico ter se tornado uma prioridade para os EUA, eles não se esqueceram do Oriente Médio e não deixarão um vácuo a ser preenchido por Rússia ou China.

Putin esteve no Irã para se encontrar com os presidentes Ebrahim Raisi e Recep Erdogan. Na agenda com o presidente turco, Putin tratou do acordo que a Turquia intermedia, junto com a ONU, para a liberação de exportação de grãos pelo Mar Negro, mesmo diante da continuidade da guerra. A situação do conflito na Síria também esteve na agenda, uma vez que os três países compõem o chamado Grupo de Astana, que se formou com a finalidade declarada de colaborar para a construção da paz na Síria. Ocorre que Teerã e Moscou se alinham em defesa do governo sírio do presidente Bashar al-Assad, enquanto Ancara se alinha com grupos rebeldes. Os turcos ameaçam intensificar suas operações militares na Síria, tendo a minoria curda como inimiga, especialmente em uma faixa de terra de 30 quilômetros de largura, na fronteira entre os dois países. Russos e iranianos são contra a realização dessa operação.

O principal objetivo dessa viagem de Putin, entretanto, talvez tenha sido o de mostrar ao mundo que não está isolado em razão da invasão da Ucrânia, e que as sanções econômicas impostas pelo Ocidente não tiveram a capacidade de impedir que ele mantivesse interlocução com atores importantes no cenário internacional.

Como se vê, as peças estão se movendo no jogo geopolítico global. O Oriente Médio é uma região importantíssima no tabuleiro, atraindo a atenção dos principais atores. As tensões na região estão altas, os interesses são muitos e as chances de que as crises escalem para patamares ainda mais altos, não são desprezíveis.

 

Meu nome é Paulo Filho, eu escrevo sobre assuntos estratégicos, geopolítica e liderança. Me acompanhem no blog paulofilho.net.br e no twitter @PauloFilho_90

[1] Saiba mais sobre isso no meu blog

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