Encerrado o 20º Congresso do Partido Comunista da China, o que era esperado aconteceu: Xi Jinping foi confirmado para um inédito terceiro mandato como Presidente da República, acumulando os cargos de Secretário-Geral do Partido e Presidente do Comitê Central Militar. Xi ficará no poder por mais, no mínimo, 5 anos. Será o líder, depois de Mao Zedong, que por mais tempo liderará a China comunista.
O êxito de Xi Jinping no congresso foi completo. Ao mesmo tempo que assegurou sua permanência no poder, configurou as mais importantes instâncias decisórias do partido – e consequentemente do próprio Estado chinês – à sua imagem e semelhança.
Xi passa a ser o líder mais poderoso desde Mao Zedong. Mao era chamado de “o grande timoneiro”, ou simplesmente de “o líder”. Esses títulos já não eram mais aplicados aos presidentes chineses, desde Deng Xiaoping. Mas o culto à personalidade retornou com força. Não é incomum encontrar referências a Xi como “o líder do povo”, “núcleo do partido”, ou outros títulos dessa natureza.
Paulatinamente, ao longo dos seus dez primeiros anos no poder, Xi Jinping foi modificando o estilo de liderança colegiada de seus antecessores, especialmente de Hu Jintao, para um estilo centralizador, no qual ele passou a ter a palavra final sobre praticamente todos os assuntos relevantes. Xi afastou as possíveis dissidências e lideranças que lhe pudessem fazer sombra. Li Keqiang, Primeiro-Ministro e chefe do governo, e Wang Yang, membro do Comitê Permanente do Politburo, instância máxima de decisão do Partido, foram afastados do poder na eleição realizada no 20º Congresso. Isso aconteceu mesmo sem nenhum dos dois ter completado a idade de 68 anos, que por uma regra não escrita, balizaria a idade da aposentadoria dos próceres do partido. Na direção contrária, os líderes leais a Xi foram mantidos, como Zhang Youxia, do Comitê Central Militar, já com 72 anos, ou promovidos, como Li Qiang, secretário do partido em Xangai, que passará a ocupar a posição que pertencia a Keqiang. Li Qiang é conhecido por implantar o duro lockdown da COVID-19 em Xangai, que trouxe repercussões bastante negativas na economia. Sua promoção mostra que a lealdade a Xi importa mais do que a competência na governança econômica.
Houve ainda o episódio da retirada de ex-presidente Hu Jintao do plenário do Congresso, visivelmente contra sua própria vontade, em meio aos trabalhos e em frente às câmeras da imprensa de todo o mundo. Especula-se que Hu estaria insatisfeito com o afastamento das lideranças que lhe eram próximas e, embora o episódio não tenha sido bem explicado, a forma com que Hu foi retirado do plenário deixou claro para todos na China – e no mundo – que há apenas uma liderança no Partido Comunista e no país: Xi Jinping.
Ao mesmo tempo em que concentra o poder político, Xi Jinping vai alterando os rumos do país na economia, com a iniciativa privada cada vez mais submetida ao controle do Estado. O progresso econômico chinês, obtido nos últimos 44 anos, desde o início das reformas e da abertura do país, por Deng Xiaoping, e mantida por Jiang Zemin e Hu Jintao, foi obtido dentro das regras de uma ordem internacional liderada pelos Estados Unidos. Xi acredita que está na hora de incentivar um desenvolvimento sob novas bases, em uma ordem ditada conforme os interesses chineses. Na prática, significa que os ditames políticos serão considerados pelo governo chinês prioritariamente em relação às universais leis econômicas da oferta e da demanda. Um bom exemplo é a ênfase que o governo chinês passou a dar ao mercado interno, buscando uma autossuficiência que lhe permita, por exemplo, enfrentar embargos econômicos como os que a guerra da Ucrânia causou à Rússia. Nesse sentido, em seu discurso no 20º Congresso, Xi enfatizou a necessidade de autonomia tecnológica para que o país consiga manter seu desenvolvimento a despeito de embargos comerciais, como os atualmente impostos pelos EUA à China na área de semicondutores e chips de alta tecnologia.
Os relatórios dos secretários-gerais do Partido Comunista da China nos congressos do partido são documentos definidores do futuro do partido e, em consequência, da China. Nesse sentido, vale a pena prestar atenção na quantidade de vezes que certos termos apareceram no texto lido por Xi Jinping. A expressão “segurança nacional”, por exemplo, apareceu apenas uma vez no relatório de 1992; 4 vezes em 2012; 18 vezes em 2017 e 27 vezes em 2022. A expressão em chinês para “Estado poderoso” (qiangguo) aparece 23 vezes no documento deste ano, contra 19 em 2017 e apenas 2 vezes em 2002. É evidente que o partido está muito mais preocupado com a segurança nacional.
Nesse sentido, Xi Jinping coloca a questão de Taiwan com clareza. A reunificação completa da China é, para o Partido Comunista, uma “missão histórica e um compromisso inabalável”. A reunificação pacífica é preferível, mas Xi não abrirá mão de usar o poder militar para atingir esse objetivo.
Ao término do congresso, houve um evento significativo, que ajuda a compreender o momento que a China vive e dá pistas sobre o futuro. Xi Jinping liderou uma visita dos seis membros que com ele compõem o Comitê Permanente do Politburo a Yan’an, na província de Shaanxi. Trata-se do local onde, em 1945, Mao Zedong liderou o 7º Congresso do Partido Comunista da China, no qual Mao consolidou o controle do Partido e estabeleceu seu próprio pensamento como dogma. Em suas declarações sobre a visita, Xi destacou que a conquista da unidade política do PCC na era Yan’an permitiu que ele superasse inimigos muito mais fortes, numa clara referência aos desafios que ele lista como sendo os atuais. Xi declarou ainda: “Eu vim aqui para manifestar que a nova liderança central herdará e levará adiante as gloriosas tradições e os bons estilos de trabalho do Partido cultivados durante o Período Yan’an, e levarão adiante o Espírito de Yan’an”. Ao identificar a nova liderança com o “espírito Yan’an”, Xi está enquadrando sua recente consolidação de poder como motivada pelo imperativo de unir o Partido em face de tempos desafiadores. Mais do que isso, remete sua liderança à força simbólica de Mao Zedong.
Como se vê, a China de Xi Jinping caminha para uma maior centralização do poder político na figura de seu líder supremo, mais intervencionismo estatal na economia e mais nacionalismo e impetuosidade nas relações internacionais. Tudo isso embasado em uma espécie de renascimento ideológico e fortalecimento das crenças e do ideário original do Partido Comunista. Essa postura vai gerar transformações nos cenários regional e internacional, com reflexos para a segurança e comércio internacionais. Sendo a China o ator geopolítico que é, haverá reflexos em todos os cantos do globo.
Meu nome é Paulo Filho, eu escrevo sobre assuntos estratégicos, geopolítica e liderança. Me acompanhem no blog paulofilho.net.br e no Twitter: @PauloFilho_90.