Enquanto a China aumenta sua intimidação militar a Taiwan, o Estados Unidos teme invasão por conta de sua dependência da indústria de chips taiwanesa.
“A grande preocupação em Washington é a possibilidade de Pequim obter o controle da capacidade de semicondutores de Taiwan”, disse Martijn Rasser, ex-oficial sênior de inteligência e analista da Agência Central de Inteligência dos EUA.
Atualmente, a pequena ilha comanda 92% da fabricação de chips do mundo, tecnologia crucial para a produção de dispositivos e armas digitais de ponta. Enquanto isso, uma das maiores rivais dos americanos, a China, demonstra insatisfação com a situação de Taiwan e as constantes visitas de autoridades dos EUA.
Nas últimas semanas, os chineses realizaram exercícios militares nas proximidades de Taiwan e enviaram tropas para a Rússia para para treinos conjuntos.
“Seria um golpe devastador para a economia americana e à capacidade dos militares dos EUA de colocar em campo suas plataformas [de armas]”, explicou Rasser, agora membro sênior do Center for a New American Security.
Em uma das declarações mais claras do governo Biden sobre a necessidade de resistir a um ataque chinês a Taiwan, o Pentágono afirmou, em dezembro, ao Comitê de Relações Exteriores do Senado que os semicondutores da ilha eram a principal razão pela qual a segurança de Taiwan era “tão importante para o Estados Unidos”.
Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca não fez comentários sobre a vulnerabilidade americana, mas disse que Washington “consideraria qualquer esforço para determinar o futuro de Taiwan por outros meios que não pacíficos em caso de ameaça à paz e segurança do Pacífico Ocidental”.
A supremacia dos chips de Taiwan, embora claramente uma vantagem estratégica, pode não ser suficiente para impedir a China de tentar tomar a ilha à força, alertam fontes consultadas pela Reuters.
Fábricas expostas
As fábricas de semicondutores de Taiwan estão em cidades próximas às praias, e distribuídos ao longo da costa oeste da ilha – potenciais locais de pouso em caso de invasão chinesa.
A profunda interdependência econômica entre as nações da Europa não conseguiu evitar uma guerra em 1914, disse o tenente-general aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA Wallace Gregson, ex-secretário assistente de defesa do governo Obama, se referindo à primeira guerra mundial.
Embora a indústria de semicondutores seja “completamente benéfica” para a segurança da ilha, afirmou Gregson, é questionável se isso evitaria conflitos quando os “cães de guerra se soltarem”.
Além disso, o presidente chinês Xi Jinping apostou seu legado em colocar Taiwan sob o controle de Pequim, acrescentou. “Ele não pode ser visto como alguém que se comprometeu, muito menos por voltar atrás”, disse Gregson. “Ele está ligado a essa conquista.”
Para a China e os Estados Unidos, está o risco no acesso a chips que alimentam quase todas as tecnologias militares e civis avançadas, incluindo telefones celulares e ferramentas de diagnóstico e pesquisa médica, que tiveram importância inestimáveis no combate à pandemia de Covid-19.
Os chips mais avançados, que são críticos na corrida armamentista EUA-China, são aqueles descritos como 10 nanômetros ou menos – o setor dominado por Taiwan. Esses minúsculos dispositivos contém bilhões de componentes eletrônicos em uma área tão pequena quanto alguns milímetros quadrados.
Uma grande preocupação dos EUA é perder terreno na corrida de inteligência artificial (IA) em armamentos. As IAs, que dependem de semicondutores, permitem que as máquinas superem os humanos na resolução de problemas e na tomada de decisões e é esperado que elas revolucionem a guerra.
Em um relatório de março ao Congresso, a Comissão de Segurança Nacional bipartidária em Inteligência Artificial alertou que a ameaça a gigante Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) expôs uma vulnerabilidade gritante. Taiwan produziu a “grande maioria dos chips de ponta” a uma curta distância do “principal concorrente estratégico” dos Estados Unidos, segundo o relatório. “Se um adversário em potencial superar os Estados Unidos em semicondutores a longo prazo ou cortar de repente o acesso dos EUA a chips de ponta, ele pode ganhar vantagem em todos os domínios da guerra”.
Muito está em jogo para Pequim também. A perda de chips de Taiwan esmagaria a indústria chinesa. A China responde por 60% da demanda mundial de semicondutores, de acordo com um relatório de outubro de 2020 do Serviço de Pesquisa do Congresso. Mais de 90% dos semicondutores usados na China são importados ou fabricados localmente por fornecedores estrangeiros, de acordo com o relatório.
Taiwan é um fornecedor crítico. No primeiro trimestre deste ano, quase metade das exportações da ilha para a China, maior parceiro comercial do país, foram de semicondutores – um aumento de 33% em relação ao mesmo período do ano passado, anunciaram dados do ministério da economia de Taiwan.
A escassez global de chips causada por interrupções no fornecimento em meio à pandemia de Covid-19 está dando uma amostra do estrago que um conflito em Taiwan causaria. A perda de um único ano de produção de Taiwan paralisaria a cadeia internacional de suprimentos eletrônicos, segundo um relatório de abril do Boston Consulting Group e da Semiconductor Industry Association, o lobby da indústria dos EUA.
Os contornos desse impasse do silício, com a China e os Estados Unidos dependentes de Taiwan, começaram a tomar forma décadas atrás como consequência das escolhas políticas americanas e de Taiwan. O setor de semicondutores dos EUA permanece dominante de várias maneiras, por meio de sua liderança em pesquisa, desenvolvimento e design. Ele responde por quase metade das receitas em uma indústria global avaliada em US$ 452 bilhões este ano. Mas os Estados Unidos terceirizaram em grande parte a fabricação de chips avançados, principalmente para Taiwan.
(Com Reuters)