O ano não foi fácil para investidores de lugar nenhum – e o Ibovespa ainda se saiu melhor que os principais pares ao redor do globo. O benchmark da bolsa brasileira fechou 2022 com 4,7% de alta, aos 109.735 pontos, enquanto o americano S&P 500 amargou quase 20% de queda, no pior desempenho desde a crise de 2008 – em boa parte, devido ao desempenho das FAANGs.
Na Ásia e Europa, a situação não foi tão diferente, e tanto o índice de Xangai quanto o Stoxx 600 – que reúne as 600 empresas mais importantes da Zona do Euro –, registraram baixas de dois dígitos.
Guerra na Ucrânia, surtos de Covid-19 na China, ameaça de invasão a Taiwan… todas as efemérides a balançarem as bolsas de valores mundo afora em 2022 foram meros satélites em torno de um sol chamado “aperto monetário”. Com a inflação dos EUA renovando máximas de 40 anos, o Federal Reserve começou a subir o tom – e ainda não parou.
No Brasil, juros altos já não assustam tanto – apenas setores mais sensíveis a crédito, como varejo e tecnologia, que continuaram sangrando como em 2021. Também não foi um ano fácil para as small caps, como pode-se inferir pela desvalorização de 15% do SMLL, índice da B3 dedicado às empresas de menor capitalização.
As ações da Cielo [CIEL3] foram na contramão dos pares setoriais e surpreendentemente registraram o melhor desempenho do Ibovespa, com mais de 140% de valorização. Em seguida, PetroRio [PRIO3], com alta de 80%, e BB Seguridade [BBSE3], de 75%, foram os principais destaques positivos do índice.
Na ponta contrária, o IRB [IRBR3] foi a maior queda do índice, com 78% de baixa, seguido por Americanas [AMER3] e CVC [CVCB3], com 68% e 66% de queda, respectivamente. Além dos três destaques, a Qualicorp [QUAL3] renovou mínimas históricas, e a Embraer [EMBR3] foi da queridinha de 2021 a 42% de queda em 2022.
Para 2023, a perspectiva é de manutenção da Selic acima de 10%. Por conseguinte, títulos de renda fixa pós-fixados devem continuar oferecendo taxas reais vantajosas aos investidores. Quanto ao mercado acionário, analistas ouvidos pelo TradeNews recomendam os setores de petróleo, bancos e transportes.
Linha do tempo
Em janeiro, a guerra na Rússia contra a Ucrânia era apenas um rumor, e as eleições presidenciais ainda não eram a maior preocupação do mercado nacional. A aversão ao risco emanava quase absolutamente do Federal Reserve para o mundo.
Na primeira decisão de política monetária do ano, o banco central dos EUA manteve os juros inalterados, mas seu presidente, Jerome Powell, não só confirmou que viria em março o primeiro reajuste para cima das taxas básicas, como também que a instituição consideraria subir juros em todas as sete reuniões de 2022.
As baforadas do dragão inflacionário também começaram a ficar mais quentes em janeiro. A inflação ao consumidor americano renovou o recorde de 1982, a 7%, enquanto a Zona do Euro atingiu o maior patamar desde 1991, a 5%.
O principal assunto de fevereiro foi a escalada das tensões entre Rússia e Ucrânia, principalmente a partir da segunda quinzena, quando o presidente americano falou sobre um alto risco de invasão russa no país vizinho, confirmado apenas sete dias depois. Em 24 de fevereiro, as primeiras tropas russas invadiram o território ucraniano pelo leste.
Em Brasília, a pauta principal eram os combustíveis. Circulava entre as Casas legislativas a proposição de um fundo de estabilização do petróleo, o congelamento do ICMS, a desoneração de impostos federais e a tributação de exportações.
Muito colaborou para o status internacional do Brasil o descrédito da Rússia, uma vez que a economia tupiniquim é a mais similar à da terra de Vladimir Putin, em proporção e estrutura. Até então, Brasil, México e Uruguai eram os destaques de 2022 tanto em termos de desempenho dos índices acionários quanto de fortalecimento ante o dólar.
Por conta da guerra, os preços do petróleo atingiram a cotação mais alta desde 2008, em torno de US$ 140 o barril, e as taxas de inflação na Zona do Euro e Estados Unidos marcaram novos recordes.
A mais extensa polêmica envolvendo Elon Musk começou em abril, quando o Twitter aceitou a proposta do bilionário para adquirir a companhia. No momento do acordo, entretanto, não havia nenhum indicativo de como o homem mais rico do mundo poderia pagar o preço de U$ 44 bilhões.
O Brasil tomou parte nos holofotes. Musk visitou o país em maio, quando se encontrou com o presidente Bolsonaro e outras autoridades em reunião durante o lançamento de um projeto com participação da SpaceX. O objetivo do projeto era trazer internet de alta velocidade para a Amazônia e conectar escolas na região.
Além disso, a Tesla, montadora de veículos elétricos de Musk, assinou um contrato de longo prazo com a Vale para fornecimento de níquel Classe 1. O bilionário também agitou o mercado americano ao suspender temporariamente o acordo para a compra do Twitter, alegando intenção de averiguar o número de contas falsas na rede social.
A guerra entre Rússia e Ucrânia já não era exatamente novidade dos jornais, mas o mundo se escandalizou com as primeiras notícias de crimes de guerra dentro do conflito. Além das reportagens sobre valas comuns com corpos de civis ucranianos, uma série de ataques dentro do território russo próximo à fronteira com a Ucrânia aumentou temores de expansão do conflito.
Em meio à escalada das tensões, Suécia e Finlândia, historicamente neutras, declararam interesse em entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
No Brasil, a Selic teve a décima alta seguida, a 12,75%, concretizando o maior ciclo de aperto monetário ininterrupto da história. Em Brasília, o governo cortou 10% das alíquotas do Imposto de Importação sobre um total de 6.195 mercadorias.
Para o Fed e outros bancos centrais, foi hora de fechar a torneira dos estímulos monetários. O BC dos EUA fez o maior reajuste da taxa de juros desde 1994, de 0,75 p.p., o BC da Suíça elevou os juros pela primeira vez desde 2007, e o Banco da Inglaterra reajustou a taxa pela quinta vez consecutiva. As autoridades monetárias da Suécia e Noruega também tiraram os juros locais das mínimas. Já a Rússia lidava com acusações de calote na dívida externa.
O Ibovespa viu seu pior momento do ano, abaixo de 100 mil pontos pela primeira vez desde o fim de 2020. O setor de mineração também fechou um semestre amargo, com 52% de queda no saldo comercial. Em contrapartida, o mercado nacional viu o evento mais próximo de um IPO do ano: a Eletrobras [ELET3; ELET6] foi desestatizada em um follow-on em 13 de junho.
No Planalto, o Congresso aprovou o teto de 17% do ICMS sobre bens e serviços relacionados a combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.
No Brasil, os preços foram na direção contrária, com a primeira deflação do IPCA de uma sequência de três meses. Ações de companhias ligadas a commodities agrícolas, como a M. Dias Branco [MDIA3], ganharam força em meio a notícias sobre um acordo entre Rússia e Ucrânia para retomar a exportação de grãos. A primeira remessa ucraniana saiu pela primeira vez desde a invasão russa em agosto, contornada por apelos da ONU para garantir acesso mundial aos produtos.
O sétimo mês de 2022 registrou também exercícios militares da China ao redor de Taiwan, em um aumento da tensão de longa data entre as duas regiões. A intimidação chinesa foi reação à visita de oficiais americanos à ilha autogovernada.
Ao mesmo tempo, o gigante asiático emitiu o primeiro alerta nacional de seca, e continuava a lidar com a crise do mercado imobiliário iniciada no ano anterior. Autoridades de planejamento estatal em Pequim anunciaram as primeiras medidas para impulsionar a economia.
Setembro começou com a morte da rainha Elizabeth II, a monarca mais longeva da história do Reino Unido. O mês foi marcado por discussões na União Europeia sobre planos de emergência para conter a crise energética deflagrada pelos cortes de fornecimento russo.
No Oriente Médio, começou a onda de protestos no Irã, após o assassinato de uma jovem da minoria curda pela polícia de costumes iraniana.
Nas Américas, o presidente do Fed, Jerome Powell, deixou claro ao mercado que aceitaria uma recessão como efeito do combate à inflação. Na esfera geopolítica, a guerra comercial com a China incluiu planos para restringir exportações de chips.
Já o Brasil preparava-se para as eleições presidenciais mais acirradas da história. Foi a época mais abundante de comentários de agentes do mercado sobre os dois possíveis cenários futuros da política nacional. A B3 também experimentou a oferta do fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos pelo Burger King [BKBR3], o pedido de recuperação judicial da Rossi [RSID3] e o anúncio de deslistagem dos BDRs do Nubank.
Estatais como Petrobras [PETR3; PETR4] e Banco do Brasil [BBAS3] engataram queda após o resultado, enquanto ações do setor de educação como YDUQS [YDUQ3] e Cogna [COGN3] registraram altas.
No exterior, o líder chinês Xi Jinping conseguiu um inédito terceiro mandato no 20º Congresso do Partido Comunista, enquanto a primeira-ministra inglesa Liz Truss renunciou após 45 dias no cargo.
A reta final do ano trouxe outra onda de protestos no exterior, desta vez na China. Após mais de 100 dias de restrições devido à política de Covid-zero imposta por Pequim, um incêndio na cidade de Umruqi desencadeou uma onda de manifestações na segunda maior economia do mundo.
Os protestos tiveram adesão internacional, e levaram ao relaxamento das restrições pelas autoridades chinesas. Entretanto, o mercado global agora olha para a explosão de casos e mortes aos quais a China ficou suscetível.
Também na Ásia, o Japão anunciou em dezembro que fará investimento de 2% do PIB em estratégia militar, citando a China como seu maior desafio de segurança. A relação do gigante asiático com os países vizinhos é uma entre as tantas tensões geopolíticas a serem observadas para 2023.
Antes das festas de fim de ano, o mundo acompanhou também a Copa do Mundo – com a triste derrota do Brasil para a Croácia. A bolsa brasileira parou para ver a Seleção jogar, reduzindo consideravelmente a liquidez das negociações.
A mudança de governo foi o principal driver do mercado nacional nos últimos dois meses, em meio aos anúncios das mudanças pretendidas pela administração petista – incluindo a divisão do Ministério da Economia em três pastas.
O legado de turbulências de 2020 ainda sustentou rastro em 2022 — e o Brasil não escapou do impacto por completo. Todavia, se mar calmo não faz bom marinheiro, o investidor brasileiro é comandante do navio quando a pauta é inflação.